INSPER ESTAGNAÇÃO E CRESCIMENTO: A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI Gustavo Magri Pini Orientador: Bruno Varella Miranda INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA Rua Quatá 300 São Paulo, SP Dezembro/2022 Estagnação e Crescimento: A Importância das Instituições no Desenvolvimento Econômico Brasileiro no Século XXI Gustavo Magri Pini TCC 2 – Versão Final Dezembro 2022 Resumo Com foco na recessão econômica brasileira de 2014, a intuição do artigo é debater e mostrar a importância e papel de instituições inclusivas na prosperidade econômica dos países. As teorias de autores como Daron Acemoglu e James Robinson, Douglass North e Thorstein Veblen serão resumidas a fim de analisar se a recessão brasileira pode ser explicada por uma piora das instituições. Gustavo Pini Instituto de Ensino e Pesquisa Rua Quatá, 300 São Paulo, SP Gustavop6@al.insper.edu.br 3 Introdução Em um período conturbado para a economia brasileira, no qual o país conviveu, nos últimos 8 anos, com altas taxas de desemprego e o aumento da pobreza e da desigualdade social, é de extrema importância buscar entender quais foram os fatos e decisões tomadas que prejudicaram o crescimento econômico. De fato, muitos resultados econômicos atuais se devem a decisões tomadas há anos, porém, este trabalho terá foco na recessão brasileira do século XXI – a pior recessão da história do país que, poucos anos anteriormente, vinha de um período de crescimento significativo após a crise de 2008, enquanto o resto do mundo se encontrava em recessão. E é possível observar essa estagnação no Gráfico 1 abaixo. Gráfico 1 – O Hiato do Produto Brasileiro Fonte: FGV IBRE NCN Logo, deve-se entender o que causou essa mudança na economia brasileira, na tentativa de explicar o que trouxe essa estagnação observada acima. E isso será feito com um foco institucionalista, ou seja, com base na teoria institucionalista, de modo a analisar o período e encontrar fatores que podem ou não responder à seguinte pergunta: “pode-se atribuir a estagnação econômica brasileira na recessão de 2014 a uma deterioração institucional?”. E essa análise será feita com base nas teorias institucionalistas de 4 Acemoglu e Robinson, em sua obra “Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty”, publicada em 2012, de North e de Veblen. Porém, antes de olharmos para as diferentes teorias e suas aplicações, é necessário entender o que é de fato a estagnação econômica e citar porque este estudo é tão importante. A estagnação econômica refere-se ao hiato negativo entre o produto efetivo da economia e seu produto potencial, ou seja, não necessariamente significa um crescimento negativo, mas sim um crescimento abaixo do potencial. E no Gráfico 1 acima, é possível observar uma clara estagnação da economia brasileira de 2014 a 2019, logo, a discussão não será se houve estagnação econômica dentro desse período, pois de fato houve, mas sim discutir se houve uma piora institucional, econômica e politicamente falando, no período que antecedeu a crise. Estudando a teoria institucionalista, é possível afirmar que esta reúne um grande escopo de autores, com ideias e teorias diferentes. Ainda, existe forte discussão sobre a importância das instituições e seus papeis dentro do desenvolvimento econômico. Portanto, para entender a teoria de Acemoglu e Robinson que será utilizada como base deste artigo, é preciso entender primeiramente as ideias dos precursores da teoria institucionalista. Podemos citar duas vertentes do pensamento, aqueles que participaram do “antigo” institucionalismo e aqueles que fazem parte do “novo” institucionalismo. Dentro do escopo de pensadores de ambas as vertentes, o artigo focará na teoria de Thorstein Veblen, “antigo” institucionalista, e Douglas North “novo” institucionalista. A teoria institucionalista, apesar de ter várias formas e estudos, tem grande importância para entender por qual motivo um país, atualmente, prospera ou não. Como dizem Acemoglu e Robinson, um país irá prosperar quando tiver instituições econômicas e políticas inclusivas estabelecidas e bem-organizadas. Então, para explicar a situação de um país nos dias de hoje, é necessário entender se este teve uma formação institucional favorável a seu crescimento. Essa teoria serve ainda para explicar como economias funcionam, ou então observar como diferentes matrizes institucionais afetam o modo de vida da população. Mais à frente no artigo será analisado quais foram as mudanças econômicas que causaram a crise e dizer se isso pode ou não ser considerado como uma piora 5 institucional, de forma a melhor explicar certos fatos e decisões que fizeram a economia brasileira estagnar em sua crise de 2014. Instituições Inclusivas e Extrativistas Tendo em vista que será utilizado como base estudo deste artigo o livro de Acemoglu e Robinson, “Why Nations Fail”, publicado em 2012, e as teorias de Douglass North e Thorstein Veblen, é necessário analisar suas teorias para poder compará-las e analisar as mudanças que antecederam e causaram a crise. Em seu livro, Acemoglu e Robinson indicam que o sucesso relativo de qualquer nação não é devido à sua cultura ou posição geográfica, mas sim, por conta de quão inclusivas as instituições políticas de um certo país são. Existe uma relação direta com as instituições econômicas, ou seja, quanto mais inclusivas as instituições políticas, mais inclusivas serão as instituições econômicas criadas. Esta relação será melhor abordada mais à frente. Dando um passo para trás, deve-se explicar o que são instituições inclusivas e o que são instituições extrativistas. Não se pode afirmar que instituições são boas ou ruins, mas pode-se dizer que instituições podem melhorar o bem-estar da sociedade como um todo ou melhorar o bem-estar de um único individuo ou grupo a partir da piora do bem-estar da sociedade. Sabendo disso, uma vez que são estabelecidas instituições políticas inclusivas, estas irão estabelecer e reforçar instituições econômicas também inclusivas, que então redistribuem a riqueza e democratizam a maneira de obtê-la. Logo, o grupo político que faz isso ganha mais poder. Dessa maneira, o resultado disso é um ciclo virtuoso, no qual instituições políticas e econômicas se reforçam, uma vez que a população vota para proteger e expandir seus direitos. E é necessário ressaltar a importância dessa sinergia. Do outro lado, temos um ciclo vicioso. Da mesma maneira, instituições políticas extrativistas criam instituições econômicas extrativistas e essas se reforçam. Logo, o poder e a riqueza que já eram concentrados ficam mais concentrados ainda, fazendo com que fique cada vez mais fácil para aqueles que estão no topo concentrarem mais a 6 sua riqueza e seu poder. Dessa maneira, as políticas serão criadas para dar mais força às elites, e quem está no topo será protegido e continuará no topo. As políticas serão criadas apenas para o benefício de um pequeno grupo através do detrimento do resto da sociedade, evitando a inovação e investimento, fazendo com que a destruição criativa de Schumpeter não aconteça e o desenvolvimento de novas ideias seja estagnado. Dado que não terá nenhum incentivo à população, a supremacia das elites prosperará, a riqueza e poder ficarão concentrados e o ciclo vicioso será estabelecido, estagnando a economia do país. Um exemplo histórico dessa situação é abordado por Sokoloff e Engerman, em seu artigo, publicado em 2000, “Institutions, Factor Endowments, and Paths of Development in the New World”, no qual citam o que aconteceu na América Espanhola colonial, período em que os colonos usaram seu poder político para impor uma série de instituições econômicas extrativistas que lhes garantiu a total concentração da riqueza, em detrimento do restante da população, dessa maneira, a riqueza e recursos gerados pelas instituições econômicas fizeram com que as elites reunissem exércitos para defender seu monopólio absolutista do poder político, que apenas crescia, com a criação de novas leis que atendiam aos interesses daqueles já no poder. Um exemplo foi a lei criada para a aquisição de terras, que dificultava mais ainda a vida daqueles que não tinham o poder para a aquisição. Os autores ainda indicam que a falta dessas leis exclusivas no Canadá e Estados Unidos contribuíram para uma aquisição mais fácil de terras por aqueles sem muito poder político, o que demonstrou ser benéfico para a criação de uma sociedade menos desigual. Logo, isso demonstra que existe uma certa dificuldade de mudança, uma vez que as instituições mutuamente se sustentam, tendendo a persistir. Por outro lado, Acemoglu e Robinson ainda afirmam que é importante ter estados centralizados e poderosos no sentido de que deve haver certa centralização, porém não absoluta. Porque se não existir um poder para controlar a ganância da sociedade, viveríamos em anarquia, onde todos obtêm poder. Logo, existiriam grupos que acabariam lutando pelo poder maior, podendo ocasionar guerras civis. Então deve existir um poder para controlar a sociedade, caso contrário, viveríamos em uma sociedade de terra de ninguém. 7 Um exemplo que o livro utiliza para confirmar tal argumento seria o da Europa Ocidental, citando a revolução industrial que ocorreu na Inglaterra. North, ao lado de Barry Weingast, em seu artigo, “Constitutions and Commitment: The Evolution of Institutions Governing Public Choice in Seventeenth-Century England”, publicado em 1989, também procuram explicar a evolução das instituições políticas da Inglaterra no século XVII após a Revolução Gloriosa. Dado que o poder da coroa inglesa não era tão forte quanto o da França ou Espanha, esta teve que ceder parte de seu poder ao Parlamento, descentralizando o poder. O Parlamento seria então uma instituição mais inclusiva em relação à coroa, fazendo políticas que incentivaram o desenvolvimento econômico do país, através da criação de leis que proibiam monopólios e protegiam o direito de propriedade privada. Dessa maneira, a história nos mostra quem é a pioneira da revolução industrial: a Inglaterra. Ainda, o artigo vai de encontro à teoria do livro de Acemoglu e Robinson, citando que um papel crítico das instituições políticas é de fato aplicar restrições no estado. E essas instituições em parte determinam se o estado irá produzir regras e regulações que beneficiam pequenas elites, providenciando pouca perspectiva ao crescimento de longo prazo ou se irá produzir regras que fomentam esse crescimento. Simplificam que performances econômicas de sucesso requerem incentivos apropriados não só por atores econômicos, como também pelos políticos. Porém, não se pode afirmar que um país com instituições políticas extrativistas não gerará nenhum desenvolvimento econômico, mesmo que essa tenha incentivos centralizadores. É possível provar essa ideia com um exemplo utilizado no início do capítulo 3 do livro. Os autores observam que a Coreia do Norte tem uma sociedade que vive na extrema pobreza, dado principalmente por conta das instituições políticas e econômicas extrativistas. Enquanto a Coreia do Sul, por ter tido instituições econômicas inclusivas, teve um dos maiores crescimentos econômicos do século XX, mesmo com a presença de instituições políticas extrativistas. Isso prova uma observação que eles fazem na tese deles: a presença de instituições políticas exclusivas não significa que o país vá necessariamente viver na pobreza e estagnação econômica. A Coreia do Sul, mesmo com instituições políticas extrativistas, por ter tido instituições econômicas inclusivas, cresceu muito. Mas vale ressaltar que casos como este aconteceram poucas vezes na história, o que acaba reforçando a teoria principal do livro. 8 Deve-se concluir do livro que a probabilidade de um país prosperar economicamente será muito maior uma vez que instituições inclusivas sejam estabelecidas. Mesmo que o livro comente de exceções que aconteceram na história, não se deve desviar da tese principal. A necessidade da presença de um ciclo virtuoso, reforçado cada vez mais por instituições inclusivas, é de grande importância para a economia dos países. A Teoria Institucionalista Partindo para a teoria institucionalista, a qual apresenta diversas formas e opiniões, com uma ampla dimensão de definições, deve-se entender as teorias de Thorstein Veblen e Douglass North para que a compreensão das razões do crescimento ou desenvolvimento econômico de um país possa ser possível. Veblen (1919) define instituições como hábitos que respondem aos imperativos da natureza humana. Hábitos estes que são criados a partir do pensamento comum da sociedade, de forma coletiva e enraizada, a ponto de podermos enxergar ações de certa prevalência da população. Logo, para Veblen, instituições poderiam se encaixar no que, para North, são as instituições informais – teoria que será revisada em seguida – e que para Oliver Williamson (2000), se encontram no primeiro nível de instituições, dentro de seu esquema de 4 níveis, citando que estas serão aquelas que acompanharão a sociedade com certa inércia e moldarão a maneira pela qual a sociedade irá ser conduzida. Douglass North (1991) entende instituições de forma mais objetiva que Veblen, categorizando-as em dois tipos, as formais e informais. As formais são definidas como regras, leis ou então constituições. Já as informais são semelhantes à definição de Veblen, sendo consideradas como o comportamento geral de uma sociedade, como normas ou códigos de conduta. Dessa forma, North entende as instituições como uma estrutura de incentivos à sociedade. Nesse sentido, North, em sua principal crítica ao “antigo” institucionalismo, comenta que a história dos países deve ser considerada. A mudança, o desenvolvimento de novas 9 instituições ou o comportamento da sociedade apenas podem ser observados olhando para o passado. Dessa maneira, North destaca a importância da trajetória dos países. Observando a caracterização de "instituição informal" feita por autores como Veblen e North, é possível relacioná-la com a ideia de "homem cordial" (HOLANDA, 2014). Uma possível interpretação para a ideia de "homem cordial" é aquela que sublinha a influência do aspecto emotivo sobre as ações individuais. Assim, temos a emergência de uma lógica pessoalista e personalista, algo que influencia as relações econômicas e políticas do Brasil. Não por acaso, autores apontam o clientelismo como um atributo fundamental para explicar as relações entre Estado e cidadão no Brasil (NUNES, 2010). Porém, ainda olhando para este aspecto, deve-se tomar cuidado ao analisar o subdesenvolvimento de uma nação através de instituições informais. Oliver Williamson, em seu artigo The New Institutional Economics: Taking Stock, Looking Ahead, publicado em 2000, aponta que as instituições informais, que poderíamos dizer ser o Homem Cordial brasileiro, são caracterizadas por transformações lentas e orgânicas, logo não seria correto atribuir todo o subdesenvolvimento de uma nação à sua cultura ou falta de instituições informais bem desenvolvidas, mesmo que estas atrapalhem a formação econômica. Como essas instituições são formadas lentamente e de maneira orgânica, não existiria qualquer intervenção de curto prazo possível, pois, como citou Veblen, estas instituições são aquelas enraizadas na sociedade. Dessa maneira, a partir da análise feita das instituições, é possível atribuir, para os objetivos deste artigo, maior importância nas formais, sejam elas econômicas ou políticas, pois são estas que poderiam auxiliar na explicação dos erros de gestão responsáveis pela recessão citada. A Herança de Lula e o Início de Dilma Rousseff O governo Lula deixou efetuado diversas políticas. O destaque foi para a elevação dos gastos públicos, que teve como motivação o grande crescimento do país em meio a uma recuperação de uma das maiores crises globais da história (a crise de 2008), uma diminuição do déficit público e os juros em queda. Dessa maneira, a avaliação do governo 10 era de que o cenário externo comprometeria o crescimento da economia. Em breve resumo, a grande herança de Lula para Dilma foi deixar um país dependente de uma agenda reformista para que o país continuasse crescendo da maneira que estava sem que houvesse pressões inflacionárias. Era necessário aumentar a capacidade de crescimento para elevar a oferta e atender a demanda crescente. Logo, Dilma tinha um grande desafio pela frente. Uma vez que Lula contou com uma bonança do mercado de trabalho, ou seja, governou durante um período em que o trabalho era um dos principais contribuintes do PIB potencial (Tabela 1), Dilma não pôde contar com o mesmo. Dada a importância do fator trabalho para a continuação do crescimento econômico, e sabendo que este não estaria tão presente quanto antes, era necessário que houvesse o aumento da produtividade (PTF – produtividade total dos fatores) e a promoção de um ambiente macroeconômico regulatório positivo – para que o setor privado fosse estimulado – a fim de que o aumento da oferta fosse possível e a economia não enfrentasse pressão inflacionária. Porém, o que aconteceu de fato foi o contrário: a PTF teve a menor contribuição dos últimos anos para o PIB potencial. Podemos observar isso na Tabela 1 abaixo: Tabela 1 - Contribuições para o Crescimento do PIB Potencial Fonte: Economia brasileira contemporânea (1945 – 2015) – 3. Ed – Rio de Janeiro: Elsevier, 2016 Entretanto, deve-se lembrar que essa é uma visão ortodoxa. Na visão dos heterodoxos, a lógica de atrair investidores privados a partir da melhora da confiança na economia não funciona na prática. A partir desse pensamento, os investidores privados na realidade 11 precisam de uma “ação líder”, que na prática seria uma ação estatal – e foi nessa linha que o governo Dilma seguiu com Mantega, que explicou melhor essa visão em seu artigo “O Primeiro Ano da Nova Matriz Econômica”, o qual será melhor explicado mais à frente. Com isso, seria possível citar alguns erros de gestão que comprometeram o crescimento do país, e, a partir disso, avaliar se eles podem ou não serem considerados como parte de uma piora institucional. O primeiro semestre de 2011 pode ser caracterizado como um período de continuidade em relação a uma política macroeconômica que seguia o tripé macroeconômico, ou seja, demonstrava uma política fiscal responsável a fim de dar confiança ao investidor estrangeiro, estabelecia metas de inflação como base da política monetária e mantinha o câmbio flutuante de modo a ter a livre mobilidade internacional de capitais. E foi exatamente dessa maneira que o primeiro mandato do governo Lula conseguiu reverter as expectativas negativas de investidores estrangeiros e fazer com que o país crescesse. Em 2003, quando Palocci foi anunciado como Ministro da Fazenda em conjunto com o documento “Política Econômica e Reformas Estruturais”, o governo conseguiu o que queria: um grande choque positivo de expectativas foi promovido, deixando, em conjunto com reformas econômicas, o cenário mais atrativo, o que atraiu investimentos e trouxe crescimento econômico. Porém, as mudanças econômicas e fiscais que podemos observar em 2011 têm seu início em 2006. Com a crise cambial resolvida, a economia em um ritmo de forte aceleração econômica e bons indicadores, o governo sentiu-se mais à vontade para partir para políticas mais agressivas, tentando fomentar um crescimento com base na flexibilização da política fiscal. Palocci, incomodado com a mudança, propôs uma medida de controle do crescimento dos gastos, mas, por forte oposição dentro do PT, não foi aprovada e, sofrendo forte críticas dentro do partido, foi acusado de abuso de poder, sendo substituído por Guido Mantega, ainda em 2006. Dilma, que assumiu a Casa Civil em 2005, foi uma das principais opositoras à medida proposta por Palocci. A medida proposta por Palocci, caso fosse aprovada, poderia ser considerada como a criação de uma instituição formal, mas não uma – aos olhos de Acemoglu e Robinson – inclusiva nem extrativista. Porém, deve-se dar grande importância a uma medida dessas, 12 pois, como pôde-se observar, a falta de uma responsabilidade fiscal pode levar a diversos problemas econômicos. A partir dessa reconfiguração política, a equipe econômica é remodelada, perdendo autonomia. Os economistas que entram propõem outra linha de pensamento econômico, alterando a política fiscal, tanto em diagnóstico, quanto em prática. Essa mudança marca o início da transição do pensamento ortodoxo para o pensamento heterodoxo da equipe econômica. Para colocar essa ideia em prática, e, indo contrário à ideia levantada por Palocci em 2005 – a de incentivar investimentos privados em infraestrutura via melhoria dos aspectos de regulação – o governo lança o PAC. Sob liderança de Dilma, o Programa de Aceleração do Crescimento foi, em resumo, um conjunto de investimentos para movimentar a economia, com liderança dos investimentos públicos. A partir disso, voltando a analisar o período Dilma e os erros cometidos, é possível observar um abandono do tripé econômico e a formação de uma nova matriz econômica. Mantega, em seu artigo “O Primeiro Ano da Nova Matriz Econômica”, publicado em dezembro de 2012, cita que o Brasil vivia em um momento de mudança estrutural da economia. O raciocínio que Mantega passou era de que os juros em patamares altos para o controle da inflação estavam distorcendo o câmbio, deixando-o mais apreciado do que o necessário. Em seu artigo, Mantega passa a visão de que isso fazia com que fosse retirada a competitividade do setor industrial e o endividamento fosse comprometido. Então, no pensamento econômico estabelecido na época, o grande desafio seria a taxa de juros alta, que vinha sendo formada, de acordo com o diagnóstico, de forma exagerada. Logo, a prática econômica do governo passou por uma reversão total em agosto de 2011, quando a decisão do COPOM deixa de seguir a lógica do tripé, que até o momento poderia ser considerado como uma “blindagem institucional”. Porém, a partir dessa decisão, o tripé foi considerado como “a velha matriz econômica” e o pensamento heterodoxo foi colocado em prática. Logo, mesmo diante de expectativas de inflação acima do centro da meta, o Banco Central reduziu a taxa de juros. O raciocínio utilizado foi o de que o cenário internacional traria consigo um movimento contracionista forte. Ou seja, que essa forte contração 13 mundial trouxesse um efeito anti-inflacionário que superaria as novas expectativas altistas de inflação sem que fosse preciso aumentar a taxa de juros. Como consequência desse pensamento, é possível dizer que, na prática, a taxa de juros deixa de ser instrumento de política monetária, tornando-se seu objetivo, o Banco Central perde a sua autonomia operacional e as tomadas de decisões de investimento foram desorganizadas, o que gerou forte desorganização das expectativas e um aumento da incerteza. A mudança do regime fiscal Ao contrário do que foi o início de 2011, a virada para 2012 marca um período da mudança total dos regimes, tanto econômico, como citado anteriormente, como fiscal, dando continuidade às práticas iniciadas ao final do governo de Lula. A partir de 2009, momento em que o Brasil se torna credor internacional, o Banco Central começa a repassar seus ganhos patrimoniais com o câmbio ao Tesouro, na lógica de que as desvalorizações cambiais geravam moeda para o Tesouro. Na prática, isso denotava o financiamento do déficit público via Bacen. Além disso, foi permitido aos estados o endividamento junto aos bancos oficiais, o que viabilizava gastos com pessoal – isso denotou o abandono da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que proibia esse ato. Dessa maneira, sob a lógica de estimular os investimentos ao setor privado, houve a elevação de despesas e a renúncia de receitas, fazendo com que o Estado gastasse mais e o setor produtivo pagasse menos. Nessa lógica, se o regime fiscal penalizasse o setor privado, o governo dava desonerações tributárias. É evidenciado assim uma clara deterioração institucional através do abandono de uma lei criada a fim de controlar e promover a responsabilidade fiscal, que na época era de grande importância e um dos principais pilares da matriz institucional do país. Somando-se todas essas práticas, foi possível observar um progressivo abandono das metas de superávit primário: 14 Gráfico 2 – Resultado Primário do Setor Público (% do PIB) Fonte: Banco Central do Brasil De 2012 a 2017, houve uma piora de cerca de 4,7% no resultado do superávit. Desses 4,7%, a estimação do Banco Central é de que a elevação de gastos – o aumento do gasto público e todas as desonerações tributárias – seja responsável por 3,0%, a queda das receitas por 1,1% e o resto por uma piora dos estados e municípios. Resultados A mudança dos regimes trouxe um cenário de forte incerteza econômica, ou seja, as expectativas econômicas foram deterioradas. E, respondendo à pergunta feita no início: não, a crise não pode ser explicada por uma piora das instituições, ao menos não integralmente. Porém, pode-se afirmar que de fato houve uma forte queda da qualidade das instituições que contribuiu para a chegada da crise. Como citado, regras fiscais e monetárias foram alteradas, o que trouxe forte incerteza aos agentes econômicos e, como consequência, foi possível observar a queda da PTF e da taxa de investimento, o que gerou um longo ciclo recessivo. O abandono do tripé macroeconômico também trouxe uma piora institucional, de modo que trouxe mudanças frequentes nas regras para fluxos de capitais estrangeiros, intervenções também frequentes no mercado de câmbio – fazendo-o depreciar, assim como pode ser visto no Gráfico 3 abaixo – em um país que até então seguia um regime 15 de câmbio flutuante, sem intervenções, houve subsídio de juros através do BNDES, a fim de reduzir os juros de mercado, desonerações tributárias foram observadas através de diversas mudanças no regime tributário e houve um aparente abandono do regime de metas de inflação, o que deixou o Banco Central com cada vez menos credibilidade. Gráfico 3 – Taxa de Câmbio (2009 a 2017) Fonte: Banco Central do Brasil, Notas Econômico-financeiras para a Imprensa, Setor Externo A partir de tudo citado e explicado anteriormente, houve um aumento do consumo não sustentado pela oferta e não acompanhado pelo investimento, o que deixou famílias endividadas; a inflação se acelerou e preços foram represados – ajustamento de preços que fortaleceu mais ainda a inflação; houve intervenções no setor elétrico e de combustíveis a fim de segurar a inflação, o que trouxe forte impacto negativo nas empresas dos setores – podendo observar isso na Tabela 2, abaixo –, o que obrigou uma elevação dos gastos a fim de que essas empresas não quebrassem, o que comprometeu a posição financeira do país; o governo federal aumentou as concessões de verbas públicas e os canais de subsídios aumentaram sem nenhuma transparência. 16 Tabela 2 - Valor em Bolsa da Petrobrás e Eletrobrás de 2006 a 2015 (R$ bilhões de reais) Fonte: Economia brasileira contemporânea (1945 – 2015) – 3. Ed – Rio de Janeiro: Elsevier, 2016 Dito isso, no geral e em conjunto, o fortalecimento da demanda agregada através do aumento do consumo e a deterioração forte da posição fiscal brasileira, que ao final das contas foi uma forte elevação dos gastos públicos, pressionaram as transações correntes e o setor externo, que sofreram grande piora. Nessa linha, o abandono do tripé pode ser enxergado como um dos principais fatores da deterioração institucional, porém não aos olhos de Acemoglu e Robinson. Como citado anteriormente, na época, o tripé macroeconômico era considerado como uma “blindagem institucional”, e seu abandono trouxe diversas consequências adversas para a economia: a queda da previsibilidade dos agentes econômicos e uma posição fiscal pior. O abandono do regime de metas de inflação e a falta de uma agenda fiscal fez com que os agentes perdessem o horizonte fiscal e monetário, trazendo forte incerteza econômica. Em 2012, o declínio da PTF e uma queda dos investimentos foram observados, por conta da falta de resposta aos incentivos dados pelo governo, o que gerou um desemprego maior e um consumo menor, fazendo os gastos se elevarem mais uma vez, sem arrecadação tributária do governo e uma atividade econômica se desacelerando fortemente. Logo, ao fim de 2014 e início de 2015, a deterioração fiscal foi agravada por conta de todas as decisões tomadas anteriormente, fazendo com que o país tenha vivido uma das recessões mais fortes de sua história. 17 Nessa lógica, ao menos parte desse cenário grave pode ser resumido por uma deterioração institucional, que fez com que a saída da recessão fosse ainda mais difícil, pois mudar a previsibilidade e a credibilidade dos tomadores de decisão de uma hora para a outra ficou complicado, uma vez que colocar o horizonte fiscal e monetário no lugar estava à beira do impossível. Considerações Finais A partir de toda a análise feita e considerando as ideias do livro base utilizado “Why Nations Fail” (2012), é possível afirmar que as teorias de Acemoglu e Robinson podem ser aplicadas e demonstram ser confirmadas mesmo na análise de um curto período da economia e política brasileira. Porém, deve-se perceber que, no curto prazo, diversos outros fatores são também importantes, pois pode-se observar que mesmo na presença de uma deterioração institucional, ela sozinha não pode explicar toda a estagnação econômica observada na recessão do país, mas pode sim explicar certos fatores que acabaram contribuindo para a mesma. Dessa maneira, deve-se ressaltar a importância do institucionalismo inclusivo na gestão dos países. Foram observados desvios da matriz institucional, até então formada, que contribuíram para a estagnação econômica do país. Logo, é necessário ter em mente que esta deve sempre ser levada em consideração pelos tomadores de decisão, a fim de que erros como os cometidos não apareçam novamente, principalmente no momento em que o país se encontra hoje: na transição de governos com atuações e pensamentos completamente distintos. Muitas vezes, a completa mudança no pensamento político e econômico, mesmo que essa não represente uma deterioração institucional, pode levar a consequências adversas para a economia, como pôde ser observado na análise feita da conjuntura do período. Para pesquisas a serem feitas à frente, deve-se analisar o período após a crise até os dias atuais, a fim de entender quais foram as decisões que remediaram os erros cometidos anteriormente e que tiraram o Brasil de sua pior recessão da história. E 18 entender também quais outros erros foram cometidos, sejam eles econômicos ou políticos e se houve também qualquer deterioração institucional dentro do período. 19 Referências Bibliográficas ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. “Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty”. 2012. GALA, Paulo. A Teoria Institucional de Douglass North In: Revista de Economia Política, Vol. 23, nº 2 (90), abril-junho/2003. GAMBIAGI, Fábio. Economia Brasileira Contemporânea (1945 – 2015). Elsevier, Rio de Janeiro, 2016. HANSEN, Alvin. Economic Progress and Declining Population Growth. The American Economic Review, Vol. 29, No. 1, março, 1939. HOLANDA, S. B., Raízes do Brasil, 27ª ed., Companhia das Letras, 2014. MANTEGA, Guido. O primeiro ano da nova matriz econômica. Valor Econômico, 2012. Disponível em: . Acesso em: 04 de setrmbro de 2022. NORTH, Douglas. “Institutions”. Journal of Economics Perspectives, 1991. 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