INSPER LL.M EM DIREITO TRIBUTÁRIO GABRIELA MATTOS UCHÔA DE MORAES A RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DE EMPRESAS INTEGRANTES DE GRUPO ECONÔMICO: ESTUDOS À LUZ DA SUJEIÇÃO PASSIVA E DA SOLIDARIEDADE NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL SÃO PAULO 2018 GABRIELA MATTOS UCHÔA DE MORAES A RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DE EMPRESAS INTEGRANTES DE GRUPO ECONÔMICO: ESTUDOS À LUZ DA SUJEIÇÃO PASSIVA E DA SOLIDARIEDADE NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de LL.M em Direito Tributário do INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa, como parte dos requisitos para a obtenção do título de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário. Área de Concentração: Direito Tributário. Orientador: Régis Fernando de Ribeiro Braga. SÃO PAULO 2018 MORAES, Gabriela Mattos Uchôa de. A Responsabilização Solidária De Empresas Integrantes De Grupo Econômico: Estudos À Luz Da Sujeição Passiva E Da Solidariedade No Sistema Tributário Nacional. / Gabriela Mattos Uchôa de Moraes. São Paulo, 2018. n.f. 68. Monografia (Pós-graduação lato sensu em Direito Tributário – LL.M). Insper, 2018. Orientador: Régis Fernando Ribeiro Braga 1. Tributário. 2. Responsabilidade. 3. Solidariedade. 4. Grupo econômico. I. Gabriela Mattos Uchôa de Moraes. II. A responsabilização solidária de empresas integrantes de grupo econômico GABRIELA MATTOS UCHÔA DE MORAES A RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DE EMPRESAS INTEGRANTES DE GRUPO ECONÔMICO: ESTUDOS À LUZ DA SUJEIÇÃO PASSIVA E DA SOLIDARIEDADE NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de LL.M em Direito Tributário do INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa, como parte dos requisitos para a obtenção do título de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário. Área de Concentração: Direito Tributário. Orientador: Régis Fernando de Ribeiro Braga. Data de aprovação:__/__/__ SEM BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________ Prof. RÉGIS FERNANDO DE RIBEIRO BRAGA RESUMO O trabalho ora proposto visa estudar e esclarecer a possibilidade de empresas integrantes de grupo econômico serem solidariamente responsáveis pelos débitos tributários umas das outras. Para tanto, é preciso primeiro analisar o fenômeno da sujeição passiva em matéria tributária e entender os contornos e limites formais e materiais impostos pelo Sistema Tributário Nacional em relação à matéria. No primeiro capítulo, portanto, serão estudadas as duas espécies de sujeitos passivos: o contribuinte e o responsável e como eles podem ser identificados e/ou definidos. No capítulo segundo, será analisada a solidariedade tributária, considerando que o Fisco normalmente utiliza o art. 124, I do CTN para justificar a solidariedade entre as empresas pertencentes ao grupo econômico. Busca-se esclarecer qual o alcance da expressão “interesse comum no fato gerador” e que sujeitos estarão enquadrados em tal dispositivo. Continuando a análise, serão abordados, no capítulo três, os conceitos de grupo econômico de fato e grupo econômico de direito, a partir de uma análise da legislação e doutrina nacionais. Isto para entender como estes conceitos poderão impactar na conclusão a que se pretende chegar com o presente trabalho. Em seguida, no capítulo quatro, será diretamente abordada a possibilidade de aplicação do art. 124, I do CTN para atribuição de responsabilidade solidária a empresas integrantes de grupo econômico, além da possibilidade de conjugação dele com outros dispositivos da legislação nacional, sobretudo nos casos de fraude. Por fim, no quinto e último capítulo, será realizada uma análise crítica da jurisprudência do STJ relativa à matéria. Palavras-chave: Tributário. Grupo Econômico. Responsabilidade. Solidariedade. ABSTRACT The work proposed here aims to study and clarify the possibility of companies belonging to corporate group being jointly liable for the tax debts of each other. To do so, we must first analyze the phenomenon of passive taxation and understand the formal and material boundaries and limits imposed by the National Tax System in relation to the matter. In the first chapter, therefore, the two types of taxable persons will be studied: the taxpayer and the responsible one and how they can be identified and / or defined. In the second chapter, joint tax liability will be analyzed, considering that the Administration usually uses art. 124, I of the Law no. 5,172/1966 (Brazilian Tax Law) to justify the joint tax liability between the companies belonging to the corporate group. It seeks to clarify the scope of the expression "common interest in the generating fact" and who will be framed in such definition. Continuing the analysis, the concepts of corporate group of fact and economic group of law will be approached, in chapter three, from an analysis of the national legislation and doctrine. This is to understand how these concepts may impact the conclusion reached here. Then, in chapter four, the possibility of applying art. 124, I of the Law no. 5,172/1966 for the attribution of joint tax liability to companies belonging to a corporate group, in addition to the possibility of combining it with other provisions of national legislation, especially in cases of fraud, are here discussed. Finally, in the fifth and final chapter, a critical analysis of Superior Court of Justice’s legal precedents in the subject will be carried out. Keywords: Tax Law. Corporate Group. Joint tax liability. Tax liability. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 1. SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA ............................................................................. 11 1.1 CONTRIBUINTE ............................................................................................................... 15 1.2. RESPONSÁVEL ............................................................................................................... 20 1.2.1ASPECTOS GERAIS ....................................................................................................... 20 1.2.2. MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. .................................. 24 2. A SOLIDARIEDADE TRIBUTÁRIA E O ART. 124 DO CTN. ................................... 26 2.1. O ART. 124, I do CTN. ..................................................................................................... 28 2.2. O ART. 124, II DO CTN ................................................................................................... 34 3. GRUPOS ECONÔMICOS ................................................................................................ 38 4. A SOLIDARIEDADE ENTRE EMPRESAS INTEGRANTES DE GRUPOS ECONÔMICOS. ..................................................................................................................... 42 4.1. A CONJUGAÇÃO DO ART. 124, I DO CTN COM OUTROS DISPOSITIVOS, PARA FINS DE ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA A EMPRESAS INTEGRANTES DE GRUPO ECONÔMICO. ....................................................................... 51 5. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ SOBRE A SOLIDARIEDADE ENTRE EMPRESAS INTEGRANTES DE UM GRUPO ECONÔMICO. ..................................... 56 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 62 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 66 9 INTRODUÇÃO A arrecadação tributária é, sem dúvidas, uma das principais fontes de financiamento do Estado, para que, num cenário ideal, este possa prover a sociedade e suas necessidades. Assim, de um lado são concedidas diversas prerrogativas ao poder público, com o fim de garantir o recolhimento dos tributos e, de outro, é assegurado aos contribuintes um plexo de direitos e garantias, limitadores do poder estatal. São diversos os mecanismos utilizados pelo Fisco para otimizar a arrecadação e a fiscalização e, nesse contexto, inserem-se as diversas hipóteses de responsabilização tributária, em sede das quais terceiros são inseridos no polo passivo da relação jurídico-tributária e obrigados ao pagamento do tributo. É certo, porém, que a responsabilidade tributária decorrerá, necessariamente, de uma previsão legal, sem a qual torna-se ilegítima a pretensão do Estado face ao terceiro sem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador, nos termos do art. 121 do CTN. Ganha destaque, nesse cenário, a responsabilização de empresas integrantes de um grupo econômico, largamente empregada pelas Fazendas. Contudo, tanto a caracterização do que vem a ser um grupo econômico, como a posterior responsabilização solidária de empresas do grupo carecem, na maioria dos casos, de qualquer fundamento jurídico autorizativo. É possível extrair da legislação pátria alguns conceitos em relação aos grupos econômicos de fato e de direito, sobretudo na Lei n. 6.404/76 (Lei das S/A) Apesar disto, o que se vê, em alguns casos, é a criação de uma figura totalmente estranha às definições legais, nas quais o Fisco, desprovido de qualquer embasamento probatório consistente, alega a existência de grupo empresarial e busca estabelecer responsabilidade tributária solidária entre as empresas integrantes. Em âmbito tributário, é o art. 124, I do CTN que, sob a ótica da Administração Fazendária, legitimaria essa responsabilização. Sem falar no art. 30, IV da Lei n. 8.212/91, aplicável às contribuições destinadas à seguridade social, que prevê, expressamente, a solidariedade entre empresas integrantes de um grupo econômico, adotando como fundamento autorizativo para tanto o art. 124, II do CTN. 10 O art. 124 do CTN inaugura a sessão sobre solidariedade no Código Tributário Nacional. E é em torno dele que se desenvolve o presente trabalho. Este dispositivo poderia ser, sozinho ou conjugado, utilizado para fins de atribuição de responsabilidade tributária solidária a empresas de um mesmo grupo econômico? É preciso ater-se à legislação societária para caracterizar, para este fim, um grupo econômico? Existe algum limite à criação de normas de atribuição de solidariedade em matéria tributária? É essencial, pois, um estudo do fenômeno da sujeição passiva no Código Tributário Nacional, de como esta se subdivide em contribuinte e responsável, quais são os efeitos e modalidades desta responsabilidade e os requisitos para sua configuração. Imperioso, ainda, entender os limites impostos pela Constituição Federal à atuação do Fisco, bem como os valores por ela garantidos. Compreendidos tais aspectos, é preciso identificar, fundamentalmente, (i) o alcance dos arts. 124, I e II do CTN; (ii) o que seria a solidariedade no âmbito do Código Tributário Nacional (iii) o que seria o interesse comum previsto no art. 124, I do CTN, (iv) a possibilidade de conjugação do art. 124, I do CTN com outras normas, de natureza tributária ou não, para os fins pretendidos pela Administração Fazendária; (v) o que seria um grupo econômico de fato ou de direito; e (vi) como tratar as situações em que seja constatado fraude, dolo ou simulação na atuação das empresas. A partir destes elementos, poderá se concluir possibilidade, ou não, de atribuição de responsabilidade solidária a empresas integrantes de um grupo econômico e de que forma o Fisco poderá proceder com esta responsabilização. 11 1. SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA A tributação pressupõe, de um lado, a existência de um mandamento legal que elege um fato como apto a fazer surgir a obrigação tributária e, de outro, a concretização deste fato. O primeiro pressuposto corresponde à chamada hipótese de incidência tributária e o segundo ao fato imponível ou, na linguagem mais conhecida, ao fato gerador. Daí a razão para se apontar a impropriedade terminológica do Código Tributário Nacional que atribui, indistintamente, a denominação “ fato gerador” para as duas situações acima descritas – o abstrato e o concreto -, notadamente distintas. Aqui, portanto, serão diferenciadas as denominações A hipótese de incidência tributária, conforme aponta Geraldo Ataliba1, possui, essencialmente, quatro aspectos: (i) pessoal; (ii) material; (iii) temporal e (iv) espacial. O presente estudo abordará detalhadamente o segundo aspecto acima, iniciando-se, portanto, com a definição da sujeição passiva tributária e seus contornos, de acordo com as matrizes constantes na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. O sujeito passivo é o devedor da obrigação tributária, a qual poderá, nos termos do art. 113 do CTN2, ser principal ou acessória. Assim, o sujeito passivo da obrigação principal terá o dever de pagar o tributo ou penalidade pecuniária (prestação pecuniária), enquanto o sujeito passivo da obrigação acessória terá, perante o Fisco, um dever de caráter instrumental, uma obrigação de fazer. Na lição de Paulo de Barros Carvalho: “Sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa — sujeito de direitos — física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: 1 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.P. 78 2 Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. BRASIL. Lei n. 10.406/2002. Institui o Código Civil. Brasília, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: . Acesso em 17/03/2018. P.93. 10 Diz-se via de regra, pois, como será abordado mais a frente, há casos em que a sujeição passiva tributária é, na verdade, verdadeira sanção que, neste caso, não levará em conta o aludido princípio. 11 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.P.87 12 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária: conceitos fundamentais. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007. P.9. 15 sem que, para sua aplicação sejam utilizados critérios com um quê de subjetividade e insegurança. O princípio da legalidade, cristalizado no art. 5o, II da Constituição Federal exige a existência lei prévia que obrigue alguém a fazer ou deixar de fazer algo. Aplicando-se tal conceito ao direito tributário, é possível afirmar, segundo terminologia de Geraldo Ataliba, que a lei deverá trazer todos os critérios da hipótese de incidência tributária, não delegando poder algum, neste sentido, ao poder executivo, nem tampouco deixando espaço (conceitos jurídicos indeterminados) para o intérprete13. O Direito Tributário, ousa-se afirmar, é, logo após o Direito Penal, o ramo do direito que mais exige previsibilidade e segurança, dado o seu caráter coercitivo frente ao patrimônio do cidadão. A noção da necessária juridicidade na definição do sujeito passivo e da inadequação da utilização de critérios econômicos neste âmbito de discussão é de extrema importância, a fim de se construir o raciocínio a ser desenvolvido neste trabalho. Feitas estas observações, passa-se a estudar, individualmente, os sujeitos passivos previstos no art. 121 do CTN: contribuinte e responsável. 1.1 CONTRIBUINTE Diz o artigo 121 do CTN: será contribuinte aquele que tenha relação pessoal e direta com o fato gerador. Mas, o que seria esta relação pessoal e direta? Qual seria o vínculo entre o contribuinte e o fato gerador? Ora, apenas aquele que praticou o fato jurídico tributário é que, pode-se dizer, tem relação pessoal e direta com o fato gerador. Por isso, o vínculo é entre autor e ato/fato. Nos 13 “ A garantia da legalidade evoluiu, no campo tributário, para reclamar não só o respeito à legalidade genérica prevista no art. 5o, II, como também a objetividade na descrição dos fatos, identificando, com clareza e precisão, os elementos definidores da conduta que autoriza a imposição tributária. Por meio dessa enunciação típica de modelos de conduta, obtém-se a segurança num mundo mediado pela linguagem permitindo aos contribuintes e aos aplicadores da lei reconhecer os fatos que dão origem à incidência tributária. A insegurança, sobretudo no que tange a tributação, é absolutamente incompatível com a essência dos princípios que estruturam os sistemas jurídicos no contexto dos regimes democráticos”. NEDER, Marcos Vinícius. Solidariedade de Direito e de Fato - Reflexões acerca de seu Conceito. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007.P. 29. 16 casos em que haja um vínculo entre o sujeito e o fato gerador, que não o de autoria, poderá se cogitar um responsável tributário, mas nunca um contribuinte. Tanto é assim que, salvo algumas exceções a seguir mencionadas, é sempre muito óbvio, a partir do conhecimento do fato gerador do tributo, descobrir quem seria o seu contribuinte14: afinal, será quem praticou o critério material previsto na hipótese de incidência tributária. O contribuinte será, portanto, quem (i) praticou o fato jurídico tributário e, cumulativamente, (ii) encontra-se no polo passivo da relação obrigacional. Muito se discute se o contribuinte já estaria identificado na Constituição Federal – e, neste sentido, incumbiria ao legislador apenas explicitá-lo – ou se caberia à legislação infraconstitucional defini-lo. A doutrina nacional se divide15. Geraldo Ataliba entende que a Constituição, ainda que implicitamente, já define o “ destinatário constitucional tributário”, isto é, já indica quem seria o contribuinte de cada tributo. Ensina o renomado autor: “O legislador - inspirado pela ciência das finanças - orienta-se por princípios financeiros na configuração da hipótese de incidência, quanto ao aspecto subjetivo passivo. Em todos os casos, no Brasil, só pode ser onerado o destinatário constitucional tributário, porque esse juízo político-financeiro foi exaurido pelo constituinte16”. E continua citando Cleber Giardino: “De tudo se vê que não é livre o legislador ordinário na escolha dos sujeitos passivos. Pelo contrário, ele é o obrigado a colher como tal somente aquela pessoa que realmente corresponda às exigências do aspecto pessoal da hipótese de incidência, tal como determinada (pressuposta), em seus contornos essenciais, pelo próprio texto constitucional: o ‘realizador’ da operação tributável”17. 14 Assim, “auferir renda” conduz à pessoa que aufere renda; “prestar serviços” leva ao prestador dos serviços; “importar” bens evidencia a figura do importador etc. Dado o fato, ele é atribuído a alguém, que o tenha “realizado” ou “praticado”. Essa pessoa, via de regra, é o contribuinte. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro –20. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. –e book. P. 625. 15 Uma nota se faz necessária: todo esse imbróglio parece estar unicamente relacionado aos tributos não vinculados, ou seja, aos impostos. Isto porque, nos tributos vinculados, o fato gerador é um fato do estado perante alguém, de modo que o contribuinte é sempre muito claro. Além disso, no caso das contribuições sociais previstas na Constituição, esta deixa muito claro quem seriam os seus contribuintes. Por fim, nos tributos residuais (art. 154, I e art. 195, §4o da CF), a Constituição delega, expressamente, a criação de outros tributos ao legislador infraconstitucional. 16 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 86. 17 GIARDINO, Cleber. Apud. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 86. 17 No mesmo sentido, posicionam-se Amílcar Falcão e Roque Antônio Carrazza. Para o primeiro autor, o legislador, mediante procedimentos interpretativos à luz do texto constitucional, poderia encontrar o contribuinte de cada tributo18. Roque Carrazza defende que a Constituição Federal estabelece a regra matriz de incidência (o arquétipo) de cada tributo, ainda que, em alguns casos, faça de modo implícito: “Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível , o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré- traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional19.” Por sua vez, parte da doutrina defende que, embora o texto constitucional não preveja o contribuinte, traz as balizas necessárias para que o legislador o faça. Para Paulo de Barros Carvalho20, a Constituição Federal fornece a moldura dentro da qual o legislador poderá atuar, com amplo grau de liberdade de escolha entre as possibilidades ali constantes, cerceado, apenas, por dois fatores exógenos: os limites da outorga constitucional de competência e o grau de relacionamento da entidade com o evento fático. Perfilhando entendimento análogo, Luciano Amaro21 chama atenção para os casos em que a materialidade do tributo contida na Constituição Federal não é suficiente para a identificação do sujeito passivo. Aponta, neste sentido, o exemplo do IPI (imposto sobre produtos industrializados) e do ITBI: em ambos os casos, a materialidade da constituição permitiria a escolha de mais de um sujeito como contribuinte. No ITBI, face a transmissão da propriedade, tanto o alienante como o adquirente praticariam o fato gerador. O autor também explica que, no caso do IPI, o contribuinte pode ser eleito à luz do aspecto fático que foi escolhido para dar relevo ao fato gerador. Assim, convencionada como fato gerador a saída do estabelecimento, foi eleito o vendedor como 18 FALCÃO, Amílcar. Apud. BECHO, Renato Lopes. As modalidades de sujeição passiva tributária no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Dialética de direito tributário - RDDT, São Paulo, n. 192, p. 113- 131, set. 2011.P. 121. 19 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 478-480. 20 CARVALHO, Paulo de Barros. Apud. BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000. P. 71-73. 21 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro –20. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. –e book. P. 629. 18 contribuinte, mas, ressalta o autor, o legislador não estaria errado se houvesse elegido o adquirente. Conclui Amaro que contribuinte é conceito jurídico-formal, isto é, contribuinte é quem a lei identificar como tal22. Maria Rita Ferragut23, seguida por Marcos Vinicius Neder24, também não identifica na Constituição Federal a figura do contribuinte. Mesmo porque, pondera Neder, o próprio art. 146, III, “a” da CF prevê que a lei complementar estabelecerá normas gerais sobre contribuintes. Interessante solução foi encontrada por Renato Lopes Becho25. O autor entende que, do texto constitucional, sempre será possível extrair o contribuinte que, neste caso, é chamado de sujeito passivo constitucional – apesar de, em alguns casos, o grau de dificuldade de identificação deste sujeito ser maior. No entanto, em algumas situações, o legislador infraconstitucional elegerá outros sujeitos (sujeito passivo legal) por aproximação ao sujeito passivo constitucional. Não há exclusão deste último, mas, apenas, ampliação da sujeição passiva. Outra exigência, aponta o autor, é de que no fato imponível não possa ser identificado o sujeito passivo constitucional. Assim, em doutrina inovadora, Becho diz que a criação do sujeito passivo legal decorrerá de “ aproximação jurídica”, através da qual o legislador escolherá pessoas que estão próximas de cumprir a materialidade do tributo. É o caso do arrematante do produto apreendido ou abandonado, eleito como contribuinte do Imposto de Importação pelo Código Tributário Nacional. Nesta situação, explica o autor, o arrematante foi equiparado ao importador, considerando que suas condutas são juridicamente muito próximas. O produto que seria adquirido pelo importador, acabou o sendo pelo arrematante. Ainda, neste caso específico, 22 Idem. Ibidem. P. 627. 23 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária: conceitos fundamentais. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007. P. 10. 24 NEDER, Marcos Vinícius. Solidariedade de Direito e de Fato – Reflexões acerca de seu conceito. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007. P.39. 25 BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000. P. 85- 107. 19 deixa de existir o importador, correspondente ao sujeito passivo constitucional, encontrando-se atendido, portanto, o segundo pressuposto apontado por Becho. A solução de Renato Lopes Becho é genuinamente inteligente e compatível com o Sistema Tributário Nacional. Lembrando que, apesar das considerações acima e da construção da figura do “ sujeito passivo legal”, Renato Lopes Becho continua a defender que a Constituição fornece os dados para se extrair cientificamente o sujeito passivo. Divergências de entendimento a parte, defende-se, no presente trabalho, que a Constituição Federal fornece, em amplíssimo grau, os parâmetros para que o legislador identifique os contribuintes. Há casos em que estes parâmetros são verdadeiramente evidentes, existindo, apenas, um único possível contribuinte: no imposto de renda, por exemplo, não há dúvidas de que o contribuinte será quem auferir a renda. Há outros casos, contudo, em que a materialidade prevista na Constituição pode ser praticada por mais de um sujeito passivo. Em casos tais, compreende-se que a Constituição verdadeiramente identificou os possíveis contribuintes, mas, por questões de praticabilidade, o legislador infraconstitucional precisará escolher apenas um deles. Não se pode esquecer, também, o caso em que, apesar de existir mais de um sujeito conectado à materialidade constitucionalmente definida, o princípio da capacidade contributiva obriga o legislador a escolher um em específico. Neste caso, a influência da constituição na escolha pelo legislador também é evidente. Todos esses comentários servem para concluir que, a bem da verdade, todos os doutrinadores acima citados acabam chegando a um lugar comum, ainda que se declarem seguidores de uma ou outra corrente. Sobretudo no Direito Tributário, a Constituição Federal, sem dúvidas, é o norte maior do legislador infraconstitucional, sendo a discricionariedade deste limitada ao que efetivamente prevê o constituinte. Logo, o contribuinte escolhido pelo legislador deverá sempre estar em consonância com o texto constitucional, o que não deixa de acontecer nos casos em que, frente a mais de uma possibilidade, o legislador elege apenas uma. Esta “uma” terá sido, sem dúvidas, extraída da Constituição. 20 Uma última observação vem a calhar: apesar de todos os autores mencionados no presente tópico tratarem do tema como a (in) existência de previsão constitucional do sujeito passivo tributário, preferiu-se aqui adotar a discussão em torno, exclusivamente, do contribuinte. Isto porque, seguindo o que define o Código Tributário Nacional, sujeito passivo da obrigação tributária será o contribuinte ou o responsável. Parece fora de cogitação, todavia, suscitar que o responsável tributário poderia já estar previsto na Constituição. Mesmo porque, cogitada tal previsão constitucional, a responsabilidade tributária perderia sua razão de ser, enquanto instituto criado para assegurar a arrecadação e fiscalização tributárias. Logo, apesar de a Constituição fornecer uma série de balizas para a atribuição de responsabilidade, sobretudo no capítulo relativo às limitações constitucionais ao poder de tributar, parece-nos que a definição dos sujeitos responsáveis ficará, sem sombra de dúvidas, a cargo do legislador infraconstitucional. O tema da responsabilidade será abordado mais adiante. 1.2. RESPONSÁVEL 1.2.1ASPECTOS GERAIS A responsabilidade tributária, segundo apontado pelo art. 121 do CTN, corresponde à segunda modalidade de sujeição passiva tributária. À primeira vista, a única exigência para criação do responsável seria a previsão em lei. No entanto, continuando a leitura pelo Código, percebe-se, mais à frente, que o legislador estabeleceu requisito essencial para que a lei possa atribuir a terceiro responsabilidade pelo crédito tributário. É o que faz o art. 128 do CTN, ao prever que a lei apenas poderá atribuir responsabilidade a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da obrigação tributária: Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Destrinchando o dispositivo acima, tem-se que (i) o CTN já prevê algumas hipóteses de responsabilização tributária e (ii) para que o legislador preveja outras, é preciso que o terceiro esteja vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação. Ainda, a responsabilidade 21 poderá ter caráter exclusivo (exclusão do contribuinte) ou supletivo, isto é, poderá ser subsidiária26 ou solidária. É preciso ficar claro, portanto, que a lei não poderá prever nenhuma espécie de responsabilidade que conflite com as hipóteses já dispostas no Código. Também necessário atentar que a lei deverá definir de modo expresso o responsável, sem deixar espaço para dúvidas interpretativas, como bem pontua Ives Gandra: “Uma responsabilidade sugerida, indefinida, pretendidamente encontrada por esforço de interpretação nem sempre juridicamente fundamentado, não pode ser aceita, diante da nitidez do dispositivo, que exige deva a determinação ser apresentada ‘de forma expressa27’. “ Quanto à exigência de que o responsável tenha vinculação com o fato gerador, o fundamento para tal parece ser muito claro: em sendo a responsabilidade tributária criada para assegurar ao Estado a efetividade e praticabilidade da arrecadação tributária sem desrespeitar o princípio da capacidade contributiva, é preciso assegurar que o responsável não venha a ser onerado em razão da manifestação de riqueza de outrem (no caso, o contribuinte). Assim, via de regra, o responsável sempre terá direito ao ressarcimento do tributo que arcou, salvo nos casos de responsabilidade imposta como sanção (exemplo dos arts. 134, 135 e 137 do CTN), pois, nesta situação, a obrigação é imposta ao próprio autor da infração28. Neste último caso, não há violação à capacidade contributiva, pois o tributo terá sido graduado 26 Sobre o art. 128 do CTN, comenta Luciano Amaro: “Se atribuída a “responsabilidade” supletiva ao contribuinte, ele se mantém na relação tributária, em posição subsidiária, de modo que, na hipótese de o terceiro responsável não adimplir a obrigação ou fazê-lo com insuficiência, o contribuinte pode ser chamado para suprir ou complementar o pagamento. Curiosamente, o dispositivo não refere a situação inversa, em que o terceiro pudesse ser definido como responsável subsidiário a fim de eventualmente suprir ou complementar o pagamento do tributo nos casos em que o contribuinte (que fosse catalogado como devedor principal) não o fizesse ou o fizesse com insuficiência. A hipótese, porém, é tão comum que o Código cuida dela, artigos à frente, além de ela estar implícita no próprio art. 128: se a lei pode o mais, que é imputar a responsabilidade por inteiro ao terceiro, pode o menos, que é elegê- lo responsável meramente subsidiário. “ AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro –20. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. –e book. P. 652. 27 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Grupos Econômicos e Responsabilidade Tributária. Economic groups and tax responsability. In. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 67/2015 | p. 45 - 63 | Jan - Mar / 2015. P. 48. 28 “O responsável diferencia-se do contribuinte por ser necessariamente um sujeito qualquer (i) que não tenha praticado o evento descrito no fato jurídico tributário; e (ii) que disponha de meios para ressarcir-se do tributo pago por conta de fato praticado por outrem. Se a responsabilidade advier de norma primária sancionadora, o ressarcimento poderá não ter cabimento, sem que a diferenciação ora proposta reste comprometida. Nesse caso, teremos que o item (i) supra, e o (ii) deverá ser substituído por: ‘ quem tenha cometido um ilícito tipificado em lei como apto a gerar a responsabilidade tributária’. “ FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária: conceitos fundamentais. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007. P. 11. 22 conforme manifestação de riqueza do fato jurídico tributário. O que é decorrência da sanção (prática de fato ilícito) é a aptidão para suportar a carga tributária29. Aliomar Baleeiro30 destaca a necessidade, via de regra, de o legislador assegurar o ressarcimento ao responsável, o que pode se dar por diferentes técnicas. Ressalta o autor, contudo, que, muitas vezes está implícita ou pressuposta a capacidade econômica do responsável, como é o caso da responsabilidade por sucessão, na qual é despicienda a previsão de ressarcimento, já que o tributo será retirado do patrimônio do sucedido. A solução dada pelo Código neste caso foi prever que a responsabilidade será limitada ao montante do quinhão, do legado ou da meação (art. 131, II do CTN). Prosseguindo na análise do art. 128 do CTN, é de se destacar que este fala em “crédito tributário”, contemplando, portanto, tanto os tributos, como as multas, da forma como a lei determinar. Caso a lei não faça ressalva neste sentido, entende-se que a responsabilidade se estenderá ao tributo e à multa. É preciso interpretar o art. 128 do CTN, à luz do art. 146, III da CF/88, o qual institui a necessidade de lei complementar para veicular normas gerais em matéria tributária. Assim, poderá o legislador ordinário, atendido o requisito da vinculação ao fato gerador, definir terceiro como responsável tributário na legislação relativa a um tributo em específico. No caso, contudo, de normas de responsabilidade que tenham caráter geral, isto é, sirvam para todos os tributos, será necessária a lei complementar. É o caso das normas constantes no Capítulo V do Código Tributário Nacional, todas de caráter geral e de acordo, portanto, com a exigência constitucional, já que o CTN foi recepcionado com status de lei complementar. Há certa divergência no que refere ao conteúdo aparentemente restritivo da expressão “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação tributária”, contida no art. 128 do CTN. Enquanto alguns autores defendem a interpretação literal do dispositivo, outros, como Maria Rita Ferragut31, propõem um certo alargamento daquele, defendendo que o responsável poderá 29 Idem. Ibidem. P.16. 30 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro - 11a ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. P. 739. 31FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária: conceitos fundamentais. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007. P. 14 23 ser (i) indiretamente vinculado ao fato gerador ou (ii) direta ou indiretamente vinculado ao sujeito que o praticou32. A autora justifica seu entendimento através de exemplos contidos do Código Tributário Nacional: o adquirente de um imóvel (art. 131, I do CTN33) e a sociedade incorporadora (art. 132 do CTN34) não se relacionam indiretamente com o fato gerador ocorrido no passado, pois a responsabilidade decorreu do vínculo existente entre os sujeitos (contribuinte e responsável). O entendimento acima não merece concordância, já que o art. 128 do CTN é muito claro ao excepcionar da regra nele contida as hipóteses de responsabilidade já previstas no Código Tributário Nacional. Assim, todas as novas hipóteses de responsabilidade tributária criadas pelo legislador deverão seguir a exigência do mencionado dispositivo: o responsável há que ser indiretamente ligado ao fato gerador35. A regra é muito clara e ampliar o seu alcance, a fim de permitir a criação de novos responsáveis, vai de encontro ao princípio da legalidade. A vinculação, ainda que indireta, ao fato gerador torna, inclusive, mais fácil o ressarcimento do responsável, o que é condição para 32 No mesmo sentido: BALTAZAR, Ubaldo Cesar; CAPELLA Vicente Lisboa. Reflexão acerca dos efeitos da responsabilidade tributária tal como proposta no Código Tributário Nacional. In. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 20 - n. 1 - jan-abr 2015. Disponível em: . Acesso em 17/03/2018. P.100. 33 Art. 131. São pessoalmente responsáveis: I - o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos; (Redação dada pelo Decreto Lei nº 28, de 1966) II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação; III - o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão. BRASIL. Lei n. 5.172/1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: Acessado em: 15/08/2018. 34 Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual. BRASIL. Lei n. 5.172/1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: Acessado em: 15/08/2018. 35 No mesmo sentido: Carvalho, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. E- book— 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 419; e NEDER, Marcos Vinícius. Solidariedade de Direito e de Fato – Reflexões acerca de seu conceito. In.FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária: conceitos fundamentais. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007. P. 30. 24 sua eleição nesta qualidade. Nesses casos, técnicas como a retenção e a inclusão do tributo no preço tornam, sem sombra de dúvidas, mais fácil o repasse do ônus tributário. Acertada, portanto, a conclusão de Andrea Medrado Darzé36, no sentido de que se os eleitos para responderem pelo débito fiscal forem indiretamente vinculados ao fato jurídico tributário, o veículo normativo será a lei ordinária. Se, por outro lado, a escolha recair sobre sujeitos que têm vínculo apenas com o realizador do fato jurídico tributário, será necessária a lei complementar. 1.2.2. MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. Uma leitura atenta ao Código Tributário Nacional permite concluir que ali são previstas três modalidades de responsabilidade tributária: por sucessão (arts. 129 a 133 do CTN), de terceiro (arts. 134 e 135 do CTN), por infrações (arts. 136 a 138 do CTN). Afora as três modalidades acima apontadas, o Código também previu a possibilidade de o legislador ordinário prever outras espécies de responsabilidade tributária, nos termos do art. 128 do CTN acima delineado (e de suas exigências). Dentro desta autorização, é que os autores enxergam a figura da substituição tributária. A substituição tributária, segundo defende a maior parte da doutrina, deveria ser uma terceira modalidade de sujeição passiva, dada a sua significativa diferença em relação às demais espécies de responsabilidade tributária. Na substituição tributária, a exigência frente ao contribuinte nem chega a existir, pois a figura do substituto surge simultaneamente ao nascimento da obrigação tributária. A responsabilidade, pois, não depende do acontecimento de algum evento, tal como ocorre, por exemplo, no art. 132 (sucessão) ou no art. 134 do CTN (inadimplemento pelo contribuinte). Ela já existe quando da ocorrência do fato gerador, pois é definida num momento pré-jurídico. Observe-se que o próprio Código Tributário Nacional, muito embora não explicite esta modalidade de sujeição passiva, traz hipótese dela no art. 45 do CTN, ao prever que a 36 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária solidária. Breves considerações sobre os artigos 124 e 125 do Código Tributário Nacional. In. FREIRE, Elias Sampaio; DIAS, Karen Jureidini; QUEIROZ, Mary Elbe (coord). Grandes questões em discussão no CARF - São Paulo: FocoFiscal, 2014. P.56. 25 responsabilidade pelo pagamento do Imposto de Renda poderá ser atribuída à fonte pagadora, através de retenção. Assim, apesar de não ter sido incluída no art. 121 do CTN, o art. 128 do CTN abriu a possibilidade para a instituição deste instituto tão utilizado pelo Fisco para garantir a arrecadação tributária. A responsabilidade por sucessões (art. 131 a 133 do CTN) e de terceiros (art. 134 e 135 do CTN), conforme prevista no Código Tributário Nacional, para os fins do presente trabalho, não exigem maiores ilações. Quanto à responsabilidade por infrações, cabem algumas observações. O art. 137 do CTN37 prevê hipótese de responsabilidade por infrações, preconizando que será pessoalmente responsável aquele que praticar a infração. Ocorre que, conforme ensina Luciano Amaro38, no caso deste dispositivo, o termo responsável perdeu a acepção antes dada pelo próprio código, enquanto aquele sem relação pessoal e direta com o fato jurídico. Isto porque, no caso deste artigo, o sujeito passivo será o próprio autor da infração – terá, portanto, relação direta - e, em consequência disto, arcará com as sanções legalmente previstas. Nada mais óbvio. Assim é que o sujeito do art. 137 do CTN poderá ser tanto o contribuinte, como o responsável, na acepção do art. 121 do CTN. Daí a impropriedade do Código, que localizou a responsabilidade por infrações dentro do capítulo referente à responsabilidade tributária. Finalizando os comentários quanto à responsabilidade tributária, é preciso pontuar que ela poderá ter três efeitos: solidariedade, subsidiariedade e pessoalidade. No caso da responsabilidade solidária, dois ou mais responsáveis poderão ser, simultaneamente, obrigados 37 Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas. BRASIL. Lei n. 5.172/1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: Acessado em: 15/08/2018. 38 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro –20. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. –e book. P. 637 – 639. 26 a pagar o tributo. Na subsidiariedade, o responsável apenas será chamado a pagar o tributo, caso haja inadimplemento do contribuinte. Por fim, na pessoalidade, o responsável será diretamente cobrado pelo tributo, excluindo-se o contribuinte. Importante ressaltar a observação de Renato Lopes Becho de que a solidariedade não é modalidade de responsabilidade tributária, tal como consta na tradicional classificação de Rubens Gomes de Sousa, estudada em momento anterior. Trata-se, isto sim, de efeito da tributação perante uma multiplicidade de sujeitos passivos. A solidariedade tributária será tratada no tópico a seguir. 2. A SOLIDARIEDADE TRIBUTÁRIA E O ART. 124 DO CTN. O art. 124 do CTN inaugura a seção relativa à solidariedade tributária e se encontra inserido no capítulo IV, atinente à sujeição passiva. Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem. Pela própria topografia do Código, já se conclui que a solidariedade será sempre passiva. Além disto, é preciso deixar claro que a solidariedade não é uma modalidade de responsabilidade tributária, como não raro confundido. E, neste sentido, sua localização no CTN é, justamente, indicativa disto. Trata-se, isto sim, do efeito da relação entre uma multiplicidade de sujeitos, isto é, diz de que modo (em qual grau) será a sujeição passiva, assim como acontece com a subsidiariedade e a pessoalidade.39 São elucidativos, neste sentido, os ensinamentos de Luciano Amaro: “Não se pode, na solidariedade, cogitar de substituição, já que ninguém é substituído, nem de transferência, pois a obrigação não se transfere de “A” para “B”, em razão de certo evento, como ocorre na sucessão. Um devedor (responsável solidário) é 39 Comentando a doutrina de Amílcar Falcão, Rafael Lopes Becho afirma que “a solidariedade não é modalidade de responsabilidade, mas uma intensidade da relação jurídica com múltiplos sujeitos passivos BECHO, Renato Lopes. As modalidades de sujeição passiva tributária no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Dialética de direito tributário - RDDT, São Paulo, n. 192, p. 113-131, set. 2011. P. 114. 27 identificado sem que se ausente da relação de débito a figura do outro (que não é, pois, nem substituído nem sucedido). Opera-se aí uma extensão da subjetividade passiva, em razão da qual passam a figurar, como devedores da obrigação, dois ou mais indivíduos40.” Como será adiante explicado, a solidariedade pressupõe a existência de alguma norma que defina a sujeição passiva, seja como contribuinte, seja como responsável. Feito isto, a solidariedade poderá se instalar entre os sujeitos passivos, a fim de que, perante o Fisco, todos possam ser obrigados pelo valor total do crédito tributário, ainda que suas obrigações possam ser fracionadas. É fato que a solidariedade tributária atende ao afã arrecadatório do Estado, pois este poderá cobrar a dívida por inteiro daquele que dispuser de maior capacidade financeira, além de que, sem dúvidas, o crédito tributário passa a ter uma maior garantia. Ocorre que, mesmo em se tratando de matéria tributária, a solidariedade não poderá se afastar da sua definição e dos seus contornos previstos no direito privado, como bem preconiza o art. 110 do CTN41. Sendo assim, não é dado ao intérprete tributário atribuir contornos diversos a esse instituto, muito menos para permitir a cobrança de terceiro que não pratica o fato jurídico tributário, como é o caso do responsável, sem que estejam atendidos os requisitos do art. 128 do CTN. A solidariedade tributária, portanto, sempre decorrerá de lei e dependerá do prévio enquadramento do sujeito como contribuinte ou responsável, nos termos do art. 121 do CTN. Feitas estas considerações, passa-se a analisar, individualmente cada um dos incisos do art. 124 do CTN, os quais normalmente ensejam a divisão doutrinaria entre a a 40 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. –20. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. –e book. P. 511. 41 Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. BRASIL. Lei n. 5.172/1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: Acessado em: 16/08/2018. 28 responsabilidade da fato (art. 124, I do CTN) e a responsabilidade de direito (art. 124, II do CTN). Antes, contudo, cabe registrar a crítica de Andréa Medrado Darzé42 para esta definição, pois, considerando o direito positivo brasileiro, o devedor solidário será sempre incluído por veículo legal. Assim, a autora entende que a diferença essencial entre os dois dispositivos são os seus destinatários. O art. 124, I do CTN se dirigiria à norma relativa ao procedimento de constituição do crédito tributário, de modo que o sujeito competente (particular ou autoridade administrativa) estaria autorizado a expedir a norma individual e concreta já em face de todos que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Por sua vez, o inciso II do aludido artigo dirige-se ao legislador, já que autoriza este, expressamente, a criar outros vínculos de solidariedade, inclusive entre sujeitos passivos que não os já constantes no Código. 2.1. O ART. 124, I do CTN. Diz o art. 124, I do CTN que serão solidariamente obrigadas as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. Ou seja, constatado o interesse comum acima mencionado, conclui-se que os sujeitos serão devedores solidários. Neste ponto, confirma-se que esta norma é dirigida ao aplicador e intérprete do direito, ao qual caberá detectar, em cada caso concreto, a ocorrência do requisito previsto pelo legislador. O artigo não menciona quais seriam os casos em que estaria configurado o aludido interesse comum. Isto não torna possível afirmar que a solidariedade ora tratada independe de lei. Muito embora esta solidariedade não esteja prevista, por exemplo, na lei instituidora de um dado tributo, a sua aplicação pelo jurista só é permitida em função do que dispõe o art. 124, I do CTN43. 42 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária solidária. Breves considerações sobre os artigos 124 e 125 do Código Tributário Nacional. In. FREIRE, Elias Sampaio; DIAS, Karen Jureidini; QUEIROZ, Mary Elbe (coord). Grandes questões em discussão no CARF - São Paulo: FocoFiscal, 2014. P. 32-33. 43 Neste ponto, permite-se discordar do entendimento de Aliomar Baleeiro de que os casos de interesse comum deveriam estar previstos expressamente em lei, pois esvazia por completo o art. 124, I do CTN, tornando-o 29 Sendo assim, deve-se digerir com cuidado a afirmação de que a solidariedade na hipótese ora tratada independe de lei, mesmo porque em matéria de sujeição passiva o princípio da legalidade é de observância obrigatória44. A própria redação do dispositivo em questão define certos requisitos para a configuração da solidariedade e, muito embora sejam eles dotados de evidente vagueza, a interpretação conjunta das normas do Sistema Tributário Nacional, permite a correta identificação de cada um deles. Inicialmente há que se perquirir o que seria este ‘interesse comum na relação que constitua o fato gerador”. Deve-se relembrar o que aqui já foi dito em tópico precedente quanto à insegurança e mácula ao princípio da legalidade que a utilização de critérios econômicos, sobretudo em matéria de sujeição passiva tributária, pode ensejar. Sendo assim, é preciso entender que o interesse comum a que o legislador aludiu é o interesse jurídico e não interesse moral, social, econômico, etc. Mesmo porque o interesse econômico pode se manifestar nos mais variados sujeitos, até em relação àqueles que sequer integraram a relação jurídico-tributária. Obviamente, o sócio terá interesse econômico no lucro da sociedade que integra e isto, claramente, não o torna responsável pelo adimplemento dos tributos por ela devidos. Além disto, “a relação que constitua o fato gerador da obrigação principal” deve ser compreendia como a relação privada subjacente ao fato eleito pelo legislador tributário (fato verdadeiramente inútil. Até porque quando ausente o “interesse comum”, será necessária a lei, em função do que dispõe o inciso II do referido dispositivo. Assim, o art. 124, I do CTN é suficiente para instalar a solidariedade entre devedores. Neste sentido, inclusive, é o posicionamento de Luciano Amaro. Sobre esta discussão: BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro - 11a ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. P. 728; e AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro –20. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. –e book. P. 655-656. 44 “A existência de interesse comum é situação que somente em cada caso pode ser examinada. A solidariedade, em tais casos, independe de previsão legal. Nem pode a lei dizer que há interesse comum nesta ou naquela situação, criando presunções. Se o faz, o preceito vale por força do inciso II do art. 124, que admite sejam consideradas solidariamente obrigadas pessoas sem interesse comum. Mas haverá defeito de técnica legislativa, que deve ser evitado”. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 146. 30 gerador). Assim, conforme ensina Marcos Vinícius Neder45, os sujeitos abrangidos pelo art. 124, I do CTN terão, necessariamente, participado de tal relação jurídica. Com isso, já se restringe e, muito, o alcance do dispositivo em estudo. São elucidativas, nesta investigação, as lições de Alf Ross, que distinguem o interesse comum do interesse coincidente: “Imaginemos dois indivíduos, A e B, prisioneiros de uma cela. Ambos querem fugir. Os dois têm, cada um de sua parte, interesse em sair da prisão. Nessa medida, pode- se afirma que seus interesses coincidem. Suponhamos, além disso, que a fuga requer necessariamente a cooperação dos dois. Cada um deles tem, portanto, interesse em ajudar o outro, não por razões altruísticas, mas porque a fuga de cada um depende da cooperação que possibilita também a do outro. Nessa medida, pode-se dizer que seus interesses estão ligados. Finalmente, podemos imaginar que cada um sente tal impulso altruísta de ajudar o outro a ponto de levar a ambos a pensar na fuga comum, não como a fuga de A ou B, mas como a fuga comum (A + B). ‘ Temos que tentar fugir’, dizem. Em tal medida, podemos dizer que seus interesses são ‘comuns’.46” É justamente no sentido acima explicado por Alf Ross que deve ser entendida a expressão contida no art. 124, I do CTN. Não é o mero interesse na realização da operação ou na sua rentabilidade, por exemplo, que enseja a solidariedade ora estudada. Assim, ensina Paulo de Barros Carvalho47, numa relação jurídica bilateral sempre a solidariedade do art. 124, I do CTN irá se instalar num mesmo polo da relação, se este for o escolhido pela lei para sofrer o impacto da tributação48. No caso do ISS, não se cogita de solidariedade, portanto, entre prestador e tomador do serviço. Da mesma forma, na venda de mercadorias, tributadas pelo ICMS, comprador e vendedor nunca se enquadrarão no aludido dispositivo. Muito embora, em ambos os casos, todos os participantes tenham interesse no negócio ou na operação, ou seja, interesse coincidente, não possuem interesse comum nos termos aqui 45 NEDER, Marcos Vinícius. Solidariedade de Direito e de Fato – Reflexões acerca de seu conceito. In. FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinícius (Coord). Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007. P. 37. 46 ROSS, ALF. Apud. DARZÉ, Andrea Medrado. O art. 124, I do Código Tributário Nacional e a Responsabilização das Empresas que integram Grupo Econômico.p. 61-68. In: Priscila de Souza (org.) 50 anos do Código Tributário Nacional. 1a ed. São Paulo. Editora Noeses Ltda, 2016. V. 01. P. 65. 47 CARVALHO, Paulo de Barros. Apud. DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária solidária. Breves considerações sobre os artigos 124 e 125 do Código Tributário Nacional. In. FREIRE, Elias Sampaio; DIAS, Karen Jureidini; QUEIROZ, Mary Elbe (coord). Grandes questões em discussão no CARF - São Paulo: FocoFiscal, 2014. P.36. 48 Como exemplo, os coproprietários de um imóvel, assim como dois prestadores de serviços serão devedores solidários, por estarem no mesmo polo da relação jurídica e praticarem conjuntamente o fato gerador. 31 estudados. Eventual solidariedade entre esses sujeitos, portanto, decorrerá de lei expressa e específica (art. 124, II do CTN). É preciso investigar, ainda, se o inciso I do art. 124 do CTN traz hipótese apenas de solidariedade entre contribuintes ou se é possível que o responsável tributário seja abarcado pela aludida norma. A fim de responder a este questionamento, Ricardo Mariz de Oliveira49 explica a necessidade de, através de um olhar sistêmico, identificar a terminologia utilizada pelo Código Tributário Nacional. Para tanto, observa as redações dos arts. 121, I, 124, I e 128 do CTN: a) Contribuinte é aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador; b) O devedor solidário é aquele que tem interesse comum na situação que constitua o fato gerador; c) Responsável tributário é a terceira pessoa vinculada ao fato gerador. Em sendo o interesse comum um dado jurídico, parece claro que o código indicou, através das palavras acima destacadas, os graus de aproximação do sujeito passivo, demonstrando que, para a manifestação do interesse comum na situação que constitua o fato gerador, é preciso que o sujeito possa ser caracterizado como contribuinte5051. 49 OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Solidariedade Tributária Passiva e Responsabilidade Tributária Passiva – Características e inexistência simultânea. In. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos Econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015. P.130. 50 Em sentido contrário, é o entendimento de Hugo Barreto Sodré Leal: “ Também nos termos do art. 124, I do CTN, entendemos que há solidariedade entre os responsáveis tributários que realizem conjuntamente o suposto de fato que deu origem à sua responsabilidade, assim, por exemplo, entre os sócios que deram causa de comum acordo, à liquidação irregular da sociedade de pessoas (art. 124, VII), ou entre dois ou mais administradores comuns de um mesmo bem pertencente a terceiro, pelos atos ilícitos que tenham em conluio praticado (art. 134, VIII)”. LEAL, Hugo Barreto Sodré. Responsabilidade tributária na aquisição de estabelecimento empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2008. P. 88. 51 Também em sentido contrário: “Apesar do exposto pelos autores estudados, deve-se considerar também a possibilidade do inciso I ser aplicável aos responsáveis. Não como forma de incluir terceiro no polo passivo (instituir a responsabilidade), mas como efeito da relação entre os sujeitos que passaram a fazer parte da relação tributária com outro fundamento legal. Isto é, duas pessoas distintas do contribuinte que, por outra razão prevista em lei, tornaram-se responsáveis e, em virtude do interesse comum que os une, passam a ser, também, solidários entre si. Em outras palavras, quando tenham relação indireta e interesse comum com o critério material ou pessoal que originou o débito do contribuinte. O próprio CTN contempla exemplo de solidariedade entre os responsáveis. O herdeiro é o terceiro que pode ser chamado a suportar o débito, conforme previsão legal contida no art. 131, II, do CTN, causa de sua inclusão no polo passivo. No entanto, havendo mais de um herdeiro, o dever deles é solidário em relação à dívida. O sujeito ativo pode exigir o crédito tributário de qualquer deles, respeitado o limite do quinhão do legado a que cada um tem direito. Tal previsão de solidariedade não consta no art. 131, mas decorre da comunhão deste com o inciso I do art. 124, ambos do CTN.” BALTAZAR, Ubaldo Cesar; 32 Do mesmo modo, explica Andréa Medrado Darzé52 que o inciso I do art. 124 do CTN não se aplica nas hipóteses “ de ser mais de um os sujeitos a realizarem o suporte factual que dá ensejo à incidência das regras de responsabilidade”. Isto, justamente, pelo contexto em que está inserida, no Código, a expressão “interesse comum na situação que constitui o fato gerados da obrigação principal”, o que permite concluir que este “interesse” só poderá ser no fato jurídico descrito no antecedente da regra matriz de incidência e não em qualquer outro como seria o fato da responsabilidade. Concluindo o raciocínio, a autora defende que, quando mais de um sujeito praticar a suporte factual da responsabilidade, todos serão obrigados individualmente pelo pagamento do tributo. Contudo, não existindo lei expressa neste sentido, eles não serão unidos pelo vínculo de solidariedade, não se aplicando, portanto, o direito de regresso entre cada um deles, mas apenas a possibilidade de repercussão jurídica em face do contribuinte. Sobre o tema, é bastante relevante o Acórdão n. 104-21.662 do extinto Conselho de Contribuintes: (...)Penso que a grande virtude dessa construção é explicitar a vinculação do interesse comum do art. 124, I à condição de sujeito passivo como contribuinte, do 121, I. Isto é, para figurar como obrigado solidário com base no art. 124, I a pessoa teria que estar numa posição em que poderia ser considerada contribuinte, ainda que em relação a apenas uma parte da obrigação. A sujeição passiva solidária decorreria da impossibilidade de divisão, dado o interesse comum, da parcela da obrigação a ser imputada a cada um ou mesmo da opção do legislador, no caso de interesse comum, de atribuir responsabilidade solidária, sem interferir na divisão, entre os coobrigados da parcela de cada um. O exemplo geralmente mencionado pela doutrina e referido por Luciano Amaro é o da co- propriedade do imóvel. Todos os co-proprietários estariam na situação referida no art. 121, I e, portanto, poderiam ser considerados contribuintes, pelo menos em relação ao seu quinhão. ( Extinto Conselho de Contribuintes, Processo n. 10218.000506/2004-69, 4a Câmara, Rel. Pedro Paulo Pereira Barbosa, Data da Seção 21.06.1006)53 CAPELLA Vicente Lisboa. Reflexão acerca dos efeitos da responsabilidade tributária tal como proposta no Código Tributário Nacional. in. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 20 - n. 1 - jan-abr 2015. Disponível em: . Acesso em 17/03/2018. P.104. 52 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária solidária. Breves considerações sobre os artigos 124 e 125 do Código Tributário Nacional. In. FREIRE, Elias Sampaio; DIAS, Karen Jureidini; QUEIROZ, Mary Elbe (coord). Grandes questões em discussão no CARF - São Paulo: FocoFiscal, 2014. P. 44. 53Disponível em http://livrozilla.com/doc/297994/ministério-da-fazenda-primeiro-conselho-de. Acesso em 26/08/2018. 33 Para Fabiana Del Padre Tomé54, existem duas espécies de sujeição passiva solidária: a solidariedade passiva paritária e a solidariedade passiva dependente. O primeiro caso corresponderia à hipótese do art. 124, I do CTN, na qual a solidariedade se instala entre dois ou mais contribuintes, por terem praticado conjuntamente o fato gerador. No segundo, ao contrário, a solidariedade não nasce da regra matriz de incidência, pois ela é veiculada por norma jurídica distinta, atributiva de responsabilidade. Assim, o requisito para a existência desta solidariedade é a preexistência do débito em face contribuinte, daí a denominação atribuída. Voltando à análise da solidariedade do art. 124, I do CTN, importa destacar que, apesar da aparência una da obrigação tributária, diversas são as obrigações de cada praticante do fato gerador. Tais obrigações, por certo, poderiam ser individualizadas de acordo com a participação de cada um no fato imponível. Como exemplo, os coproprietários de um dado imóvel seriam obrigados, cada um, a pagar o IPTU de acordo e na proporção de sua quota parte. Os devedores solidários, contudo, terão direito de regresso, quando do pagamento da dívida toda ou de excesso em relação à sua parte55. Afinal, esta é uma regra típica do instituto da solidariedade, o qual, não se pode olvidar, é importado do direito privado, considerando a impossibilidade de a lei tributária alterar tais conceitos, nos termos do art. 110 do CTN. Ao serem solidariamente obrigados pelo todo da obrigação jurídico tributária, acabam adquirindo condição dúplice: serão contribuintes pela sua parte e responsáveis pelas partes dos demais, tanto que detêm direito regressivo face àqueles. São esclarecedores os ensinamentos de Luciano Amaro: “O interesse comum no fato gerador põe os devedores solidários numa posição também comum. Se, em dada situação (a copropriedade, no exemplo dado), a lei define o titular do domínio como contribuinte, nenhum dos coproprietários seria qualificável como terceiro, pois ambos ocupariam, no binômio Fisco-contribuinte, o lugar do segundo (ou seja, o lugar de contribuinte). Ocorre que cada qual só se poderia dizer contribuinte em relação à parcela de tributo que “correspondesse à sua quota de interesse na situação. Como a obrigação tributária (sendo pecuniária) seria divisível, cada qual poderia, em princípio, ser obrigado apenas pela parte equivalente 54 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Análise da Responsabilidade Tributária entre Empresas Pertencentes a um “Grupo Econômico”. In. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos Econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015.P. 612-614 55 Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores. BRASIL. Lei n. 10.406/2002. Institui o Código Civil. Brasília, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: . Acesso em 03/09/2018. 41 IN RFB 971/200969 Art. 494. Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica Segundo as disposições acima, os grupos econômicos serão verificados quando existir controle, administração ou direção entre as sociedades envolvidas, o que está em consonância com o que fora dito acima, quando mencionada a legislação societária (Lei das S/A). Resta investigar, todavia, a possibilidade de as sociedades integrantes de grupo econômico (de fato ou de direito) serem responsabilizadas (solidariamente) pelos débitos umas das outras, considerando que, da legislação societária, não se permite extrair tal autorização (pelo contrário). A considerar o escopo do presente trabalho, busca-se verificar, no âmbito tributário, a legalidade da responsabilização solidária de empresas integrantes de um mesmo grupo econômico, para o que, seria essencial, tal como feito aqui, delinear os conceitos em torno do grupo econômico de sociedades. 69 BRASIL. IN. RFB 971/2009. Dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária. Disponível em: < http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15937> .Acesso em: 03/09/2018. 42 4. A SOLIDARIEDADE ENTRE EMPRESAS INTEGRANTES DE GRUPOS ECONÔMICOS. Considerando a necessidade do Fisco de garantir uma arrecadação tributária eficiente, a própria legislação pátria, sobretudo através do Código Tributário Nacional, prevê uma série de hipóteses em que é autorizada a cobrança do débito tributário de terceiro que não praticou o fato gerador. Seja através de leis que, com fulcro no art. 128 do CTN, trazem novas hipóteses de responsabilidade tributária, seja através de leis que impõem responsabilidade a terceiros em razão da prática de ato ilícito, o Fisco estará autorizado a perseguir o crédito tributário em face de outrem que não o contribuinte. De qualquer modo, a sujeição passiva tributária decorrerá, necessariamente, de lei expressa e deverá atender aos princípios norteadores do direito pátrio. Como se sabe, o princípio da segurança jurídica constitui-se como verdadeira razão de ser do Direito, juntamente com o ideal de justiça. Afinal, a ordem jurídica foi criada para que os cidadãos possam prever as consequências de suas atitudes e, mais, prever e limitar os atos do próprio Estado. Sem isto, sequer seria possível falar em Justiça. É possível, pois, perceber a natureza dúplice deste princípio: objetivamente, constitui- se como um limite imposto ao Estado, em prol dos jurisdicionados; subjetivamente, representa o sentimento de legítima confiança dos cidadãos no Estado, em todas as suas formas de atuação. Aos contribuintes, portanto, deve ser assegurada estabilidade, previsibilidade e, sobretudo, a possibilidade de planejar-se. Na seara tributária, a segurança jurídica tem especial importância, considerando a natureza coercitiva deste ramo do direito sobre o patrimônio do contribuinte. Talvez por isso o Sistema Tributário Nacional se encontre predominantemente definido na Constituição: muito pouco foi delegado ao legislador ordinário. Por outro lado, a Constituição também protege a livre iniciativa, a fim de estimular e propiciar o exercício de atividades econômicas pelos cidadãos, sob os auspícios do princípio da legalidade previsto no art. 5o, II da CF70. 70 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 43 Ocorre que tem sido cada vez mais recorrente a atitude do Fisco de buscar a responsabilização de terceiros através de interpretações verdadeiramente elásticas de dispositivos do Código Tributário Nacional, em detrimento dos princípios e garantias constitucionais. A máxima maquiavélica de que “ os fins justificam os meios” encaixa-se cada vez mais na atuação da Administração, na busca pela arrecadação tributária. Interessante passagem Ives Gandra bem ilustra este cenário: “ Por isto, nesta introdução desabafo, entendo que Konrad Hesse tinha razão ao dizer que ‘ a necessidade não conhece princípios’. Este passou a ser o princípio maior do direito tributário brasileiro, pois, no âmbito federal, a Receita tem cada vez mais necessidade de buscar recursos para o gigantismo da insuficiente, insaciável e esclerosada máquina estatal71” Ganha revelo, neste contexto, a discussão acerca da solidariedade de empresas integrantes de um grupo econômico, pelos tributos umas das outras, comumente empregada pelo Fisco. Como fundamento legal para tanto, a Administração Pública tem utilizado o art. 124, I do CTN, o qual prevê a solidariedade quando existente interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Assim, a Fazenda tem buscado responsabilizar empresas que não praticaram o fato gerador da obrigação tributária, tanto já no momento da lavratura de autos de infração, como em sede judicial, seja através de cautelares fiscais, seja através de pedidos de redirecionamento de execuções fiscais. É preciso, pois, investigar se é legítima esta atuação do Fisco, isto é, se será possível atribuir responsabilidade tributária solidária entre empresas integrantes de um grupo econômico com fulcro no art. 124, I do CTN. Para tanto, serão úteis todas as considerações tecidas acerca da solidariedade tributária prevista no art. 124 do CTN. I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 10/09/2018. 71 MARTINS, Ives Gandra. Grupos Econômicos. XL Simpósio nacional de Direito Tributário – CEU Escola de Direito. In. MARTINS, Ives Gandra (coord). Grupos Econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015. P.35. 44 De início, a primeira análise premente relaciona-se à possibilidade de o art. 124, I do CTN instituir hipótese de responsabilidade tributária. Como já visto em tópico anterior, a redação do dispositivo torna evidente que sua aplicação se restringe aos casos de prática comum do fato gerador. Assim, a norma em comento destina-se, apenas, a contribuintes que, em função da autorização legal, poderão ser cobrados, cada um, pelo todo da dívida. O interesse comum será, pois, aquele jurídico e não meramente econômico72. O fato de empresas congregarem esforços para um fim específico e declarado (grupos de direito/consórcio) não faz com que pratiquem conjuntamente, por exemplo, o fato gerador do imposto de renda ou das contribuições sociais. Cada uma manterá a sua individualidade e autonomia patrimonial: terão faturamento, apuração de lucro, etc, próprios. Do mesmo modo, empresas que sejam coligadas ou controladas, sem um contrato formalizando a união de esforços (grupo econômico de fato), apesar de terem interesse na lucratividade e desenvolvimento mútuos, não têm, simplesmente por possuírem vínculos societários, interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Tal expressão, como já visto, deve ser interpretada de forma sistêmica, à luz dos conceitos e definições trazidas pelo Código Tributário Nacional. Feito isto, não se chegará a conclusão diferente: o art. 124, I do CTN é destinado, apenas, a definir o tipo de vínculo entre contribuintes. E, a considerar que apenas será qualificada como contribuinte a empresa que praticar o fato gerador, já se vê que o simples fato de integrarem um grupo econômico não tornas as empresas devedoras solidárias com fulcro no art. 124, I do CTN. Vale também relembrar que a lei societária é clara em afastar a solidariedade entre empresas integrantes de um grupo econômico, seja de direito ou de fato, pelas obrigações umas das outras. Se é assim, para se atribuir responsabilidade tributária solidária ao grupo, a lei tributária precisaria trazer tal autorização de forma expressa e respeitando os princípios que moldam o Sistema Tributário Nacional. 72 “O mero interesse social, moral ou econômico nas consequências advindas da realização do fato gerador não autoriza a aplicação do art. 124, I do CTN. Deve haver interesse jurídico comum, que surge a partir da existência de direitos e deveres idênticos, entre pessoas situadas no mesmo polo da relação jurídica de direito privado, tomada pelo legislador como suporte factual da incidência do tributo. Em outras palavras, há interesse jurídico quando as pessoas realizam conjuntamente o fato gerador”. FERRAGUT, Maria Rita. Grupo Econômico e solidariedade tributária. In. FREIRE, Elias Sampaio; DIAS, Karen Jureidini; QUEIROZ, Mary Elbe (coord). Grandes questões em discussão no CARF - São Paulo: FocoFiscal, 2014. P.239. 45 Não é em vão destacar que em qualquer hipótese de solidariedade tributária, pressupõe-se que o sujeito seja, em função de norma específica, qualificado como contribuinte ou responsável, nos termos do art. 121 do CTN. Ou seja: a solidariedade não atribui responsabilidade tributária: antes a pressupõe. São pertinentes, sobre o tema, os ensinamentos de Ives Gandra: “Há de se ressaltar, ainda, que a não realização, por parte de uma empresa, de fatos geradores, na verdade protagonizados por outra, é o suficiente para excluí-la de qualquer responsabilidade tributária, sendo ilegal o redirecionamento da cobrança contra ela por gerar, a meu ver, violação do princípio da capacidade contributiva e efeito confisco. Os três princípios que informam a imposição (tipicidade fechada, estrita legalidade e reserva absoluta da lei formal) restariam maculados, se tal direcionamento se desse. O fato gerador do tributo diz sempre respeito ao contribuinte ou responsável a ele vinculado, e jamais poderá ser o tributo exigido de empresa ou contribuinte ‘sem qualquer vinculação’ com sua prática73”. A título de exemplo, se empresas prestarem conjuntamente um dado serviço, aí sim serão enquadradas no art. 124, I do CTN como devedoras solidárias do ISS, não por serem integrantes de um grupo econômico, mas tão somente por praticarem o fato gerador do tributo, figurando previamente na condição de contribuintes com interesse comum. À necessidade arrecadatória contrapõe-se o “Estatuto dos Contribuintes”, enquanto conjunto de garantias e direitos fundamentais que limitam o poder de tributar. Por isto mesmo é que a interpretação do art. 124, I não pode ser de tal maneira alargada que termine por criar, em verdade, hipótese de responsabilidade tributária não prevista em lei. Eficiência e praticabilidade da fiscalização não podem justificar a mácula a princípios como o da segurança jurídica e da legalidade. Ainda, como ensina Paulo de Barros Carvalho74, o nosso direito privado se criou e se organizou através dos primados da autonomia negocial e patrimonial das pessoas jurídicas, assim como pelo princípio da organicidade. E isto constitui todo o arcabouço dos negócios jurídicos sobre os quais poderão incidir os tributos. Assim, completa o autor: “Não é por menos que o art. 110 do Código Tributário Nacional comparece relembrando que o alcance desses institutos não pode ser dilatado quer pela 73 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Grupos Econômicos e Responsabilidade Tributária. Economic groups and tax responsability. In. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 67/2015 | p. 45 - 63 | Jan - Mar / 2015. P.51. 74 CARVALHO, Paulo de Barros. A Figura do Grupo Econômico de Fato e o Requisito do Controle Comum para sua Caracterização. In. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Grupos Econômicos. Porto Alegre: Magister, 2015. P. 76 46 legislação tributária, quer pelos encarregados de produzir normas de incidência, para abranger situações que não estariam contempladas na definição dos conceitos de direito privado. Com efeito, fizesse isso, estar-se-ia submetendo à tributação situação diversa daquela autorizada na repartição de competências da Constituição da República. Tal interpretação, portanto, para além de contrariar os ditames da Lei n. 5.172/66, atenta contra a própria Constituição da República e, deve ser de pronto rechaçada”. Sobre a rara aplicabilidade, na prática, do art. 124, I do CTN à luz da necessária eficiência da arrecadação tributária, pontua Maria Rita Ferragut a existência de um limite semântico instransponível: “Só que a legislação traz um limite semântico. Ou eu a desprezo, ou eu sigo o que está na lei. Se eu não realizei fato jurídico conjuntamente, não há que se falar em interesse comum para fins de responsabilidade tributária. O que eu posso, sim – e, aí, eu concordo –, é corresponsabilizar, em função de um ilícito, de uma fraude. Mas não é o interesse comum o argumento adequado. Esses autos de infração deveriam ser anulados75”. Apesar da eventual existência de um centro decisório comum ou relativamente comum, cada empresa possui planejamento, faturamento, balanço próprios! É absolutamente irrazoável, inconstitucional e ilegal responsabilizar uma empresa por débitos de outra pelo simples fato de terem algum vínculo societário. Tal situação é equivalente a responsabilizar um sócio pessoa física pelos débitos da sociedade que participa! Talvez o exemplo acima cause maior perplexidade por tratar de um sócio pessoa física e por existir um entendimento de certa forma mais “aceito” acerca da separação patrimonial entre sociedade x sócio. No entanto, tal situação é exatamente igual à dos grupos econômicos. O fato de uma empresa ter a maior parte do capital de outra ou de ser a ela coligada não autoriza a solidariedade entre elas em relação a obrigações que cada uma deu azo de forma individual, no exercício da sua atividade. Afinal, qual a diferença entre um sócio pessoa física ou um sócio pessoa jurídica que têm a maior parte do capital votante? Por que no primeiro caso, o sócio não poderia ser responsabilizado e no segundo poderia? Como compatibilizar a confiança legítima da empresa de que apenas responderá pelas obrigações por ela geradas com esta pretensa solidariedade “intragrupo76”? 75 FERRAGUT, Maria Rita. Grupo Econômico e Responsabilidade Tributária. In. Revista de Direito Tributário, n. 123. p. 106-112. Outubro. 2015. P. 109. 76 Como pontua Heleno Torres: “Quanto aos demais dispositivos do Código Tributário Nacional, queremos evidenciar que os arts. 124 e 135, em nenhuma circunstância, têm o condão de permitir formas de desconsideração da personalidade jurídica, como pensam alguns. O art. 124, I do CTN, segundo o qual ‘ são solidariamente 47 Como já visto, a norma de responsabilidade tributária não poderá impor o encargo financeiro do tributo ao responsável, sob pena de mácula ao princípio da capacidade contributiva. O legislador sempre deverá se encarregar de garantir o ressarcimento do tributo pago pelo responsável, o que, na prática, é feito através de diversas técnicas, como retenção, repasse no preço dos produtos, etc. É inconteste, portanto, que solidariedade que busca o Fisco atribuir a empresas formadoras de um grupo econômico com fulcro no art. 124, I do CTN viola os princípios da segurança jurídica e da legalidade77. Diante do exposto, algumas conclusões já podem ser vislumbradas: (i) o art 124, I não tem o condão de atribuir responsabilidade tributária e (ii) dispõe apenas de que forma será o vínculo entre contribuintes quando existente interesse comum na situação que constitua o fato gerador; (iii) ainda que se constituísse como norma de atribuição de responsabilidade tributária, seria inconstitucional, por violar o princípio da capacidade contributiva, ao impor o ônus de obrigação tributária a quem não manifestou a riqueza tributada e sem previsão de reembolso. Não é a mera existência de lei, em sentido formal, que legitima a imposição de responsabilidade a terceiros ou, mais especificamente, no caso estudado, responsabilidade tributária solidária a empresas integrantes de um grupo econômico. Além da necessidade de que seu conteúdo material esteja de acordo com os princípios constitucionais e com os ditames do CTN, é preciso lembrar que, segundo a Constituição Federal (art. 146, III), não caberá à lei ordinária dispor sobre normas gerais em matéria tributária. Como já esclarecido no presente trabalho, toda e qualquer hipótese geral de responsabilidade tributária deverá ser introduzida por lei complementar. Ainda, salvo no caso obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal’, versa sobre os efeitos da solidariedade, quando mais de um contribuinte concorre na realização de um mesmo fato jurídico tributário, i.e, pessoa física com pessoa física, pessoa física com pessoa jurídica, pessoa jurídica com pessoa jurídica. Desse modo, a sociedade, quando se apresenta como sujeito passivo de obrigação tributária, é una; e só internamente a essa sociedade será possível vislumbrar alguma espécie de relação solidária que dentre os sócios possa existir, a depender do tipo societário adotado, mas nunca em superação da personalidade jurídica que a qualifique como tal.” TORRES, Heleno Taveira. Regime Tributário da interposição de pessoas da desconsideração da personalidade jurídica: os limites do art. 135, II e III do CTN do CTN. In. TORRES, Heleno Taveira; Queiroz, Mary Elbe (Coord). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. P. 59 77 Las convicciones jurídicas necesitan apoyarse en terreno firme, necesitan consistencia jurídica, ‘constancy of law through time’, ‘continuity’, en expresión de los juristas ingleses. La frontera entre lo legal y lo ilegal se desdibuja con excesiva facilidad cuando falta dicha base. También las empresas necesitan terreno firme, puesto que requieren seguridad para poder planificar sus actividades. TIPKE, Klaus. Moral Tributaria del Estado y de los contribuyentes. Madrid: Marcial Pons,2002. P.121. 48 das normas que visam penalizar ato ilícito, a responsabilidade tributária sempre será imposta a quem tenha vinculação (indireta) com o fato gerador e não com o sujeito que o pratica, conforme previsto no art. 128 do CTN. Diante destas considerações, é preciso analisar o art. 30, IX da Lei n. 8.212/91, o qual prevê a responsabilidade solidária de empresas integrantes de um grupo econômico pelas contribuições destinadas à seguridade social. Seria possível tal previsão à luz do art. 124, II do CTN (solidariedade de direito)? Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (...) IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei; O dispositivo acima colacionado é ilegal78 (violação ao art. 128 do CTN – lei complementar), pois prevê responsabilidade tributária de terceiros não vinculados ao fato gerador, mas sim ao sujeito que o pratica, ferindo, ainda, a capacidade contributiva, considerando que esta sistemática de arrecadação não assegura, prima facie, o ressarcimento ao responsável solidário. Ainda, traz, claramente, hipótese geral de responsabilidade tributária solidária não prevista no Código Tributário Nacional, inovando, portanto, no ordenamento jurídico. Já se identifica, pois, a sua inconstitucionalidade formal, ante a exigência de lei complementar prevista no art. 146, III da CF. Lembre-se o que aqui foi dito: a mesma espécie normativa exigida para a atribuição de responsabilidade tributária também será exigida para previsão da solidariedade. Raciocínio semelhante foi adotado pelo STF, no RE nº 562.276/PR, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei n. 8.620/1993, o qual estabelecia que “o titular de firma individual e os sócios das empresas por quotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social”. Ainda, dispunha o parágrafo único que: “os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente com os seus bens pessoais quanto 78 DARZÉ, Andrea Medrado. O art. 124, I do Código Tributário Nacional e a Responsabilização das Empresas que integram Grupo Econômico. p. 61-68. In: Priscila de Souza (org.) 50 anos do Código Tributário Nacional. 1a ed. São Paulo. Editora Noeses Ltda, 2016. V. 01. P. 47. 49 ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa”. A Corte Suprema reconheceu tanto a inconstitucionalidade substancial como a inconstitucionalidade formal, conforme trechos abaixo: “O art. 13 da Lei 8.620/93 também se reveste de inconstitucionalidade material, porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão entre o patrimônio das pessoas física e jurídica, o que, além impor desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando a sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada, afrontando os arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição79” “ O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas ‘as pessoas expressamente designadas por lei’, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma.” “O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limita a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN, tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso,incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao art. 146, III, da CF80.” Irretocável a decisão do STF ao reconhecer, nos valores constitucionalmente protegidos, tais como a livre iniciativa privada, limites à atuação do legislador. Veja que o Tribunal entendeu que o art. 13 da Lei n. 8.620/93 acabava por operar uma desconsideração objetiva da personalidade jurídica das empresas, inibindo a sua criação e organização81. Do mesmo modo, a previsão de solidariedade entre empresas integrantes de grupo econômico opera uma desconsideração objetiva da personalidade jurídica de cada empresa e também estabelece uma confusão entre o patrimônio das sociedades. O art. 124, II do CTN não é suficiente, portanto, para autorizar a criação de qualquer regra de solidariedade, eis que o seu conteúdo também deverá estar compatível com o Sistema Constitucional Tributário. Espera-se, assim, que o STF venha a adotar o mesmo entendimento para declarar a inconstitucionalidade do art. 30, IX da Lei n. 8.212/91. 79 Trecho da ementa do acórdão proferido pelo STF, Plenário, no RE nº 562.276/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 3.11.2010. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=618883. Acesso em 12/09/2018. 80 Trecho da ementa do acórdão proferido pelo STF, Plenário, no RE nº 562.276/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 3.11.2010. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=618883. Acesso em 12/09/2018. 81 MACHADO, Hugo de Brito. A solidariedade da Relação Tributária e a Liberdade do Legislador do Art. 124, II do CTN. Revista Dialética de direito tributário - RDDT, São Paulo, n. 195, p. 58-67, set. 2011. P. 65. 50 É bem provável que a tentativa de atribuição de responsabilidade tributária solidária a empresas integrantes de grupo econômico tenha sido influenciada pela legislação trabalhista: Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. § 2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência) § 3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência) Ocorre que uma norma não pode ser simplesmente transplantada da legislação trabalhista para a tributária, mesmo porque o Direito Tributário possui regras próprias, sobretudo para fins de atribuição de responsabilidade. Ainda, os ramos do direito trabalhista e tributário seguem lógicas totalmente diferentes82: no primeiro, busca-se proteger o trabalhador presumidamente hipossuficiente; no segundo, apesar do objetivo arrecadatório, busca-se proteger o contribuinte à luz dos princípios constitucionais, impondo-se, assim, uma séria de limitações à atuação do Estado. Confira-se a lição de Fabiana Del Padre Tomé: “O conceito de “grupo econômico” há de ser delineado com suporte na legislação societária. Verificada sua configuração, entra em cena outra espécie de análise: identificar a existência ou não de lei que disponha sobre a responsabilidade de uma empresa pelos débitos de outra entidade do mesmo grupo. Quanto a isso, cada seara do ordenamento adota comandos específicos, considerando os valores que estão em jogo. As normas trabalhistas, que têm como uma das metas primordiais a proteção do “hipossuficiente”, são postas por leis ordinárias, que disciplinam a reponsabilidade dos empregadores enquanto tal. Determinações dessa natureza não se aplicam às relações tributárias, regidas por preceitos próprios, no âmbito dos quais imperam a estrita legalidade e a tipicidade tributária, assim como a necessidade de lei complementar que estabeleça normas gerais de direito tributário relacionadas à sujeição passiva83”. 82 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Grupos Econômicos e Responsabilidade Tributária. Economic groups and tax responsability. In. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 67/2015 | p. 45 - 63 | Jan - Mar / 2015. P. 51. 83 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Considerações sobre a responsabilidade tributária de empresas pertencentes a grupo econômico. Revista de Direito Tributário Contemporâneo | vol. 3/2016 | p. 17 - 32 | Nov - Dez / 2016. P. 28 51 Em âmbito tributário, portanto, a responsabilização de terceiros que não praticaram o fato gerador da obrigação tributária depende de previsão expressa por lei; lei esta que deverá estar tanto formal como materialmente de acordo com o Sistema Constitucional Tributário, já delineado, brevemente, em linhas alhures. Em resumo, seja através do art. 124, I do CTN, seja através do art. 30, IX da Lei n. 8.212/91 (específico para contribuições destinadas à seguridade social), não será possível atribuir responsabilidade solidária a empresas integrantes de um grupo econômico, de fato ou de direito. A mera condição de integrante do grupo, não torna as empresas solidariamente responsáveis. 4.1. A CONJUGAÇÃO DO ART. 124, I DO CTN COM OUTROS DISPOSITIVOS, PARA FINS DE ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA A EMPRESAS INTEGRANTES DE GRUPO ECONÔMICO. Já se viu acima que a condição de, pura e simplesmente, integrar um grupo econômico não autoriza a responsabilização solidária das empresas, eis que ausente qualquer disposição neste sentido no art. 124, I do CTN. Contudo, muitas das situações em que se pretende atribuir tal responsabilidade decorrem da constatação de ocorrência de fraude na atuação das empresas, em detrimento da arrecadação tributária. Inclusive, aponta Maria Rita Ferragut84, muitas vezes o que se verifica é a ausência de um vínculo societário formal, mas identidade de funcionários, sócios, estrutura administrativa compartilhada, atuação no mesmo ramo de atividade ou em atividade complementar, etc. A presença de tais indícios leva a Administração a caracterizar as empresas como integrantes de um grupo único que, comumente, denomina de “grupo econômico”. Em tais casos, a responsabilização decorrerá da prática de ato ilícito e, por isso, deverá ser tratada de forma distinta. É comum o Fisco defender que a confusão patrimonial entre empresas ou a simulação de negócios jurídicos entre elas caracteriza o interesse comum previsto no art. 124, I do CTN. 84 FERRAGUT, Maria Rita. Grupo Econômico e solidariedade tributária. In. FREIRE, Elias Sampaio; DIAS, Karen Jureidini; QUEIROZ, Mary Elbe (coord). Grandes questões em discussão no CARF - São Paulo: FocoFiscal, 2014.P. 236. 52 A partir disso, diz serem solidariamente responsáveis todas as integrantes do “grupo” fraudulento. Acontece que, conforme amplamente demonstrado ao longo do presente trabalho, o art. 124, I do CTN não é norma de atribuição de responsabilidade. Os sujeitos passivos devem, previamente, estar enquadrados nesta qualidade, nos termos do art. 121 do CTN. Diante da existência formal de um contribuinte perante a Fazenda Pública, a cobrança do débito tributário de terceiros que não seja embasada por norma expressa de responsabilidade tributária, apenas será permitida se i) desconsiderada a personalidade jurídica das empresas para atingir seus sócios; ii) desconsiderados os atos jurídicos fraudulentos, estendendo-se os efeitos das relações jurídico tributárias para terceiros. A doutrina e jurisprudência em geral apontam três dispositivos que poderiam ser utilizados para tais fins85: o art. 50 do CC/0286 e os arts. 116, §único e 149, VII do CTN87. Segundo o art. 50 do CC/02, quando constatado o abuso da personalidade jurídica, mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o juiz poderá levantar o véu da 85 Entende-se que o art. 135 do CTN sequer poderia ser cogitado no âmbito de responsabilidade de empresas integrantes de grupo econômico por tratar de responsabilidade de pessoa física. FERRAGUT, Maria Rita. Grupos econômicos e solidariedade tributária. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 229. São Paulo: Dialética, 2014.P. 89. 86 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. BRASIL. Lei n. 10.406/2002. Institui o Código Civil. Brasília, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: Acessado em: 05/09/2018. 53 personalidade jurídica da sociedade para que “os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Muito se discute acerca da aplicabilidade do art. 50 do CC/02 em âmbito tributário, ante a exigência de lei complementar, nos termos do art. 146, III da CF/88 para tratar de normas gerais de sujeição passiva. Acontece que o dispositivo em questão não cria hipótese de responsabilidade tributária, mas apenas desconstitui a personalidade jurídica de uma sociedade, quando da sua utilização de forma abusiva88. “A desconsideração da personalidade jurídica seria aplicada, portanto, quando os sócios fizessem uso da separação mencionada, com dolo ou má-fé, para executar atividades que, além de extrapolarem os limites de interesse da empresa, causassem danos a terceiros indevidamente (já que a separação em sentido lato sempre frustra algum interesse outro, o que é legal e legítimo). Assim, seria possível atingir a esfera pessoal dos sócios impondo a eles a satisfação das obrigações contraídas pela pessoa jurídica por eles controlada89.” A regra é a separação patrimonial entre sócio e sociedade. Não basta, pois, o mero inadimplemento para que haja a desconsideração da personalidade jurídica: é preciso, ainda, que se comprove o abuso da personalidade jurídica. A norma em comento visa punir ato ilícito e, por isso mesmo, é imprescindível a prova da prática deste. O art. 50 do CC, todavia, não pode ser aplicado diretamente pela Fazenda Pública, já que a sua redação é muito clara: caberá apenas ao juiz decretá-la. Sendo assim, o Fisco não poderá, já em sede do lançamento tributário cobrar o débito dos sócios, através da desconsideração da personalidade jurídica90. Isso não impede que solicite, em juízo, a 88 “O art. 50 do CC não cria hipótese de responsabilidade tributária não contemplada no CTN, mas tão somente desconstitui a personalidade jurídica de uma sociedade, de forma que, no desvio de finalidade ou na confusão patrimonial, a sociedade responsável por tais ilícitos passa a responder pelo passivo fiscal tendo em vista que a devedora originária teve sua personalidade desconstituída, nos termos acima identificados. Suficiente, pois, a introdução da norma por lei ordinária”. FERRAGUT, Maria Rita. Grupos econômicos e solidariedade tributária. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 229. São Paulo: Dialética, 2014 .P.97. 89 NUNES, Márcio Tadeu Guimarães. Breves considerações sobre a impossibilidade do uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por parte da administração pública. In. ANAN JR, Pedro (coord.) . Planejamento Fiscal - Aspectos Teóricos e Práticos - Volume II - P. 446 -462. São Paulo; Quartier Latin, 2009. P. 446. 90 BERNARDES, Flávio Couto. A desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicabilidade no direito tributário - uma análise comparativa com o instituto da responsabilidade tributária. In. TORRES, Heleno Taveira; Queiroz, Mary Elbe (Coord). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. P. 431- 474.São Paulo: Quartier Latin, 2005.P.464-465. 54 desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, o redirecionamento para os sócios. À luz do exposto, quando constatada a união de empresas de forma fraudulenta e com nítida confusão patrimonial, apesar de não ser possível a aplicação do art. 124, I do CTN para responsabilização solidária das sociedades, é possível que a Fazenda, em sede judicial, comprovando a ocorrência dos requisitos do art. 50 do CC/02, requeira a desconsideração da personalidade jurídica para atingir empresas coligadas ou controladas (condição de sócios). Neste caso, como ensina Maria Rita Ferragut91 e Andréa Medrado Darzé92, não há, tecnicamente, solidariedade, mas apenas extensão dos efeitos de certas relações jurídicas, conforme prevê a literalidade do dispositivo. O art. 149, VII do CTN autoriza a revisão do lançamento tributário “quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação”. Em tais situações, inclusive, nos termos do art. 150, §4º do CTN, sequer flui o prazo decadencial para lançar, revisar o lançamento ou homologar o pagamento93. Percebe-se que a norma em comento autoriza o Fisco a desconsiderar negócios alicerçados em fraude, dolo ou simulação, a fim de tributar a realidade como ela é e por quem a praticou, despida de qualquer artifício. Já o art. 116, § único do CTN prevê a desconsideração, pelo Fisco, de negócios jurídicos dissimulados. Existem diversas discussões acerca dos conceitos de abuso de forma, simulação, propósito negocial, etc que envolvem a aplicação do dispositivo mencionado. Entende-se, porém, que a questão mais importante gira em torno da impossibilidade de sua auto-aplicação, considerando a menção expressa, em sua redação, aos “ procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Inexistindo a referida lei até o presente momento, o dispositivo não poderia ser aplicado. Não obstante, tal polêmica foge ao escopo do presente trabalho. Até porque aqui 91 FERRAGUT, Maria Rita. Grupos econômicos e solidariedade tributária. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 229. São Paulo: Dialética, 2014.P.96. 92 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária solidária. Breves considerações sobre os artigos 124 e 125 do Código Tributário Nacional. In. FREIRE, Elias Sampaio; DIAS, Karen Jureidini; QUEIROZ, Mary Elbe (coord). Grandes questões em discussão no CARF - São Paulo: FocoFiscal, 2014. P. 50-51. 93 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. P.423. 55 coaduna-se com parte da doutrina que entende que o art. 116, §único do CTN sequer seria necessário ante a abrangência do art. 149, VII do CTN94. Logo, quando identificado grupo de empresas que, fraudulentamente, organizam-se com o fim de fraudar o Fisco, muitas vezes correspondendo, na prática, a um único centro negocial, o art. 149, VII do CTN poderá ser utilizado para coibir tais práticas e garantir a arrecadação tributária. E isto poderá ser feito diretamente pela Fazenda Pública, ao contrário do que ocorre com o art. 50 do CC/02. Ou seja, não é o art. 124, I do CTN apto a alcançar situações em que é necessária a desconstituição de condutas dolosas, fraudulentas ou simuladas. Como amplamente demonstrado, tal dispositivo apenas diz qual será o efeito da sujeição passiva e não é capaz, por exemplo, de permitir a imputação de responsabilidade a uma empresa que, formalmente, não praticou o fato gerador do tributo. Sendo assim, afastada a utilização, exclusivamente, do art. 124, I do CTN para responsabilizar empresas integrantes de um grupo econômico fraudulento, parece também ser equivocada – e mesmo desnecessária - a conjugação deste dispositivo com os arts. 50 do CC, arts. 116, §único e 149, VII do CTN. Afinal, constatada a conduta ilícita, aos responsáveis por sua prática serão estendidos os efeitos das respectivas obrigações tributárias descortinadas pelo Fisco. Aqui, a responsabilização decorre da própria autoria da conduta ilícita. E isto difere, essencialmente, da solidariedade tributária, entendida como a obrigação de um devedor perante o Fisco de, ressalvado o seu direito de regresso, arcar com a dívida toda, não obstante seja devedor, apenas de uma cota-parte da dívida. 94 PEREIRA, Claudio Augusto Gonçalves. O parágrafo único do art. 116 do CTN e a norma antielisão. In. ANAN JR, Pedro (coord.). Planejamento Fiscal - Aspectos Teóricos e Práticos - Volume II - P. 446 -462. São Paulo; Quartier Latin, 2009. P. 115 56 5. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ SOBRE A SOLIDARIEDADE ENTRE EMPRESAS INTEGRANTES DE UM GRUPO ECONÔMICO. Iniciando a análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível constatar que a Corte já adota entendimento pacífico no sentido de que o interesse comum do art. 124, I do CTN é jurídico e não meramente econômico, moral. Também assentou o STJ que o art. 124, I do CTN apenas seria aplicável aos casos em que houvesse prática comum do fato gerador. Assim, para o Tribunal, a mera condição de integrar um grupo econômico não autorizaria a solidariedade: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PESSOAS JURÍDICAS PERTENCENTES A UM MESMO GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA QUE NÃO SE PRESUME. NECESSIDADE DE PROVA DE ILÍCITO QUE AUTORIZE A DESCONSIDERAÇÃO DAS PERSONALIDADES AUTÔNOMAS. SÚMULA 7 DO STJ. DECADÊNCIA. TESE DE FRAUDE QUE NÃO FOI ACOLHIDA PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM. SEGUNDA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O mero fato de pessoas jurídicas pertencerem a um mesmo grupo econômico não enseja, por si só, a responsabilidade solidária dessas entidades. 2. Eventual confusão entre as diferentes personalidades jurídicas, capaz de conduzir à responsabilidade solidária, dependeria de exame do acervo fático probatório dos autos que levasse a interpretação diversa da que alcançou a instância de origem, que não identificou os vícios alegados pela exequente. 3. É inviável a apreciação de tese fundada em premissa fática que não foi reconhecida pela instância de origem, a teor da orientação firmada na Súmula 7 do STJ. 4. Agravo Regimental do MUNICÍPIO DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ/RS desprovido. (AgRg no AREsp 549.850/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018) TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DE TERCEIROS. ALEGAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA EMPRESAS CONSTITUÍDAS APÓS O FATO GERADOR DO TRIBUTO DE OUTRA EMPRESA, DITA INTEGRANTE DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A teor do art. 124, I do CTN e de acordo com a doutrina justributarista nacional mais autorizada, não se apura responsabilidade tributária de quem não participou da elaboração do fato gerador do tributo, não sendo bastante para a definição de tal liame jurídico obrigacional a eventual integração interempresarial abrangendo duas ou mais empresas da mesma atividade econômica ou de atividades econômicas distintas, aliás não demonstradas, neste caso. Precedente: AgRg no AREsp 429.923/SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, 2T, DJe 16.12.2013. 2. Da mesma forma, ainda que se admita que as empresas integram grupo econômico, não se tem isso como bastante para fundar a solidariedade no pagamento de tributo devido por uma delas, ao ponto de se exigir seu adimplemento por qualquer delas. Precedentes: AgRg no AREsp 603.177/RS, Rel. 57 Min. BENEDITO GONÇALVES, 1T, DJe 27.3.2015; AgRg no REsp. 1.433.631/PE, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, 2T, DJe 13.3.2015. 3. Agravos Regimentais da FAZENDA NACIONAL e LEMOS DANOVA ENGENHARIA E EMPREENDIMENTOS LTDA - ME a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1535048/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 21/09/2015) PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.INOCORRÊNCIA. 1. A solidariedade passiva ocorre quando, numa relação jurídico-tributária composta de duas ou mais pessoas caracterizadas como contribuintes, cada uma delas está obrigada pelo pagamento integral da dívida. Ad exemplum, no caso de duas ou mais pessoas serem proprietárias de um mesmo imóvel urbano, haveria uma pluralidade de contribuintes solidários quanto ao adimplemento do IPTU, uma vez que a situação de fato - a co-propriedade - é-lhes comum. 2. A Lei Complementar 116/03, definindo o sujeito passivo da regra-matriz de incidência tributária do ISS, assim dispõe: "Art. 5º. Contribuinte é o prestador do serviço." 6. Deveras, o instituto da solidariedade vem previsto no art. 124 do CTN, verbis: "Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei." 7. Conquanto a expressão "interesse comum" - encarte um conceito indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi do referido dispositivo legal. Nesse diapasão, tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação. 8. Segundo doutrina abalizada, in verbis: "... o interesse comum dos participantes no acontecimento factual não representa um dado satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado pelo inc. I do art 124 do Código. Vale sim, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel. Tratando-se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas em posições contrapostas, com objetivos antagônicos, a solidariedade vai instalar-se entre sujeitos que estiveram no mesmo pólo da relação, se e somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o impacto jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre que dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez que dois ou mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo tomador." (Paulo de Barros Carvalho, in Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, 8ª ed., 1996, p. 220) 9. Destarte, a situação que evidencia a solidariedade, quanto ao ISS, é a existência de duas ou mais pessoas na condição de prestadoras de apenas um único serviço para o mesmo tomador, integrando, desse modo, o pólo passivo da relação. Forçoso concluir, portanto, que o interesse qualificado pela lei não há de ser o interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas o interesse jurídico, vinculado à atuação comum ou conjunta da situação que constitui o fato imponível. 10. "Para se caracterizar responsabilidade solidária em matéria tributária entre duas empresas pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro, é imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico." (REsp 834044/RS, Rel. 58 Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008). 11. In casu, verifica-se que o Banco Safra S/A não integra o pólo passivo da execução, tão-somente pela presunção de solidariedade decorrente do fato de pertencer ao mesmo grupo econômico da empresa Safra Leasing S/A Arrendamento Mercantil. Há que se considerar, necessariamente, que são pessoas jurídicas distintas e que referido banco não ostenta a condição de contribuinte, uma vez que a prestação de serviço decorrente de operações de leasing deu-se entre o tomador e a empresa arrendadora. 12. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 13. Recurso especial parcialmente provido, para excluir do pólo passivo da execução o Banco Safra S/A. (REsp 884.845/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/02/2009, DJe 18/02/2009) Por outro lado, o que se vê, na prática, é que a maior parte dos processos que tratam sobre o tema da solidariedade de empresas integrantes de um grupo econômico sequer têm o mérito efetivamente julgado pelo STJ, em virtude da Súmula n. 07, que impede a apreciação de matéria de fato pela Corte. Inclusive, é muito comum a aplicação equivocada, pelas instâncias inferiores, do art. 124, I do CTN, sem ater-se a uma prova robusta que, necessariamente deve ser produzida pela Fazenda Pública. Em muitos casos, o fato apenas de empresas terem sócios em comum ou de terem vínculos societários têm sido suficientes para que os juízes autorizem o redirecionamento das execuções fiscais ou defiram cautelares fiscais. Na prática, a ausência de análise, pelo STJ, da maioria dos casos que envolvem a matéria acaba por prejudicar a uniformização de jurisprudência e também, de forma repudiável, as empresas que se organizam de forma lícita e confiando na separação patrimonial inerente à organização em sociedade. Observe-se, a esse respeito, alguns julgados que tratam da impossibilidade de apreciação da matéria, em virtude do óbice da súmula n. 07: PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. 1. O Tribunal a quo reconheceu, objetiva, clara e expressamente, a existência de grupo econômico entre a recorrente e as empresas Cabinas Real, CBR Fundição e Metalúrgica Vila Nova a justificar a responsabilização solidária pelos tributos exigidos. Rever tal entendimento, que está atrelado aos aspectos fático- probatórios da causa, é inviável em Recurso Especial, tendo em vista a circunstância obstativa decorrente do disposto na Súmula 7/STJ. 59 2. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1693895/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 23/10/2017) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. GRUPO ECONÔMICO. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA IMPUTADA. MODIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Tribunal a quo adentrou o contexto fático-probatório dos autos, a fim de caracterizar a existência de formação de grupo econômico e, por conseguinte, constatar a presença dos requisitos configuradores da responsabilidade tributária. 2. Infirmar o entendimento a que chegou a Corte a quo, de modo a albergar as peculiaridades do caso e verificar se os requisitos a recorrente integra ou não o grupo econômico e, portanto, se pode ser responsabilizada pelo crédito tributário em voga, enseja o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável em sede de recurso especial, por óbice da Súmula 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". Precedentes: REsp 1.587.839/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/5/2016, DJe 25/5/2016; AgRg no AREsp 561.328/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 20/8/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 844.055/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 19/05/2017) Interessante entendimento passou a ser adotado pelo STJ aos casos de fraude ou conluio, no sentido de que, nessas situações, o art. 124, I do CTN poderia ser aplicado ainda que não houvesse, formalmente, a prática comum do fato gerador: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. CAUTELAR FISCAL. RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. GRUPO ECONÔMICO. INTERESSE COMUM. ART. 535 DO CPC/1973. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DE LEI FEDERAL. MATÉRIA DECIDIDA COM ESTRITO FUNDAMENTO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. REEXAME. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. MÉRITO DESFAVORÁVEL À RECORRENTE. DECISÃO RECORRIDA APLICOU CORRETAMENTE O DIREITO À ESPÉCIE. 1. Insurge-se a recorrente contra acórdão que manteve a indisponibilidade de bens do seu patrimônio decretada em Medida Cautelar Fiscal, por estar reconhecida a formação de grupo econômico de fato e a existência de interesse comum entre a recorrente e devedora principal. 2. Alega a recorrente violação aos arts. 535 e 333, II, do CPC/1973, 2º da Lei 8.397/1992, 124 e 135 do CTN, além de dissídio jurisprudencial. (....) (...) 10. A decisão a quo dirimiu a lide de forma extremamente fundamentada e detalhada quanto ao conjunto de elementos fáticos que levaram à conclusão pela responsabilidade da recorrente (art. 124 do CTN) e aplicação da Lei 8.397/1992. 11. Para modificar o entendimento firmado no acórdão recorrido, seria necessário exceder as razões colacionadas no acórdão vergastado, o que demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, vedada em Recurso Especial, conforme Súmula 7 desta Corte. 12. A análise no caso concreto da presença ou não dos requisitos legais pertinentes e da suposta afronta aos dispositivos legais tidos por violados (art. 333, II, do CPC/1973, art. 2º da Lei 8.397/1992, arts. 124 e 135 do CTN) demanda reexame de circunstâncias factuais que escapam à viabilidade procedimental pelo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes em casos símiles. 13. Em relação à interposição pela 60 alínea "c", este Tribunal tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula 7 desta Corte impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução à causa a Corte de origem. 14. E mesmo se ultrapassada a vedação da Súmula 7/STJ, o que se admite apenas para argumentar, no mérito melhor sorte não obteria o Recurso Especial. Isso porque a decisão recorrida aplicou corretamente os dispositivos legais tidos por violados, uma vez admitidos os fatos descritos no aresto impugnado. (...) 17. Nesse particular, o Superior Tribunal de Justiça entende ser aplicável a responsabilidade solidária do art. 124 do CTN quando há comprovação de práticas comuns, prática conjunta do fato gerador ou, ainda, quando há confusão patrimonial. 18. É o que se passa na espécie, em que o Tribunal local reconheceu a existência de grupo econômico e ligações empresariais estreitas entre a recorrente e a devedora originária decorrentes da administração familiar das empresas, coincidência de endereços e objetos sociais, movimentação da conta bancária da recorrente pelo fundador da executada, esvaziamento patrimonial da devedora originária concomitantemente ao desenvolvimento econômicos da recorrente. Tudo a demonstrar não só a existência, no mundo dos fatos, de grupo econômico integrado pela recorrente, como o interesse comum previsto no art. 124 do CTN. 19. O Tribunal a quo, na fundamentação do seu decisum, teve o cuidado de destacar expressamente que sócios da executada teriam transferido propriedade particular para a empresa Swamville do Brasil Participações e Empreendimentos Ltda., o que revela indícios de ocultação de bens com escopo de fraudar credores. Destacou, ainda, entre outros aspectos, que a empresa Swamville do Brasil Participações e Empreendimentos Ltda., cujo objeto social é a incorporação de empreendimentos imobiliários, teve empresas Off-Shore integrando seu quadro societário em substituição aos integrantes da família proprietária da executada, e que a referida sociedade teve sede em endereços coincidentes com de outras empresas do grupo econômico. 20. De acordo com a decisão recorrida, ainda, a própria criação da recorrente já demonstraria a comunhão de interesses. Haveria a intenção de empresas e pessoas físicas em fazer investimentos no exterior, através de empresas Off-shores, a fim de obter isenções fiscais ou redução de impostos, segurança, sigilo e privacidade nos negócios, além de inúmeros outros fatores. 21. Verifica-se, in casu, a presença dos requisitos não só para a responsabilização da recorrente (art. 124, CTN), como também para sua inclusão no polo passivo da cautelar fiscal (art. 2º, Lei 8.397/1992). 22. O art. 135 do CTN foi bem afastado na origem e merece reiteração nesta instância, pelos mesmos fundamentos (aplicabilidade, ao caso, do art. 124, I). 23. Por fim, o exame específico da imprescindibilidade da prova pericial, com fulcro no art. 333, II, do CPC/1973, no caso concreto esbarra de forma invencível na Súmula 7/STJ. 24. Recurso Especial conhecido, em parte, e nessa parte não provido. (REsp 1689431/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 19/12/2017) Ou seja, para além da prática conjunta do fato gerador, o STJ entendeu que o art. 124, I do CTN também seria aplicável quando há comprovação de “práticas comuns” e confusão patrimonial95. 95 CAMPOS, Leonardo Nuñez; ARAUJO, Juliana Furtado Costa. Grupo Econômico e Responsabilidade Tributária - Análise da Jurisprudência do Superior Tribunal De Justiça. Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 124/2015 | p. 47 - 65 | Set - Out / 2015.P.60-63. 61 Contudo, não é isto que prevê a redação do artigo. Não é dado ao judiciário atuar como um verdadeiro legislador, dando interpretação finalística a um dispositivo do Código Tributário Nacional. Além disso o conceito de “práticas comuns” parece verdadeiramente vago e sujeito a subjetivismos. Afinal, empresas podem se organizar para determinado fins ou mesmo terem controle em comum sem que, para tanto, percam sua autonomia patrimonial, sobretudo em relação às suas obrigações. Observa-se, também, que o STJ trata do art. 124 do CTN como se fosse uma norma de imputação de responsabilidade e isto, como já se viu, é absolutamente equivocado. Não é ocioso repetir: é preciso que seja utilizada outra norma para que se enquadre qualquer pessoa, física ou jurídica, na qualidade de responsável ou contribuinte para, então, aplicar aquele dispositivo. Os casos de simulação, fraude ou dolo sem dúvidas devem ser coibidos pela Fiscalização, a qual deverá cuidar de cobrar as respectivas obrigações tributárias (incluindo tributo e penalidades) daqueles que praticaram a conduta ilícita, visando retardar, transmudar ou ocultar o fato gerador da obrigação tributária. No entanto, como anteriormente defendido, acredita-se que o art. 124, I do CTN não seja adequado para tal fim, eis que, em situações como estas, não há tecnicamente solidariedade, mas extensão dos efeitos das obrigações tributárias àqueles que praticaram o ato ilícito. 62 CONCLUSÃO A sujeição passiva, em matéria tributária, é um tema que requer especial atenção. O art. 121 do CTN prevê duas espécies de sujeitos passivos: o contribuinte e o responsável. No primeiro caso, tem-se aquele que praticou o fato gerador (“ relação pessoal e direta”) enquanto, no segundo, um terceiro será cobrado pelo débito tributário, desde tenha vínculo indireto com o fato gerador (art. 128 do CTN) e através de lei expressa. Apesar de a Constituição Federal não ter previsto, de forma expressa, os contribuintes de cada tributo, forneceu fortes parâmetros para que o legislador os identificasse, a partir das materialidades tributáveis nela prevista. Há casos em que resta evidente uma única possibilidade de escolha pelo legislador (IR), mas também existem casos em que a moldura fornecida pela Constituinte confere uma faculdade (limitada) ao legislador, o qual fará uma escolha dente as possibilidades constantes na moldura. É preciso ter em mente, ainda, que o principal princípio a nortear a escolha dos contribuintes será, sem dúvida, o da capacidade contributiva: existindo mais de uma opção à luz do critério material constitucional, haverá que se escolher, sempre, aquele que manifestou riqueza tributável. O princípio da capacidade contributiva também é um importante norte para a atribuição de responsabilidade tributária, eis que o responsável, por não ter praticado o fato gerador (manifestado riqueza) não poderá arcar com o ônus da tributação, cabendo ao legislador, portanto, prever meios para o seu ressarcimento, o que pode ocorrer através de diversas técnicas, a exemplo da retenção. Exceção a esta regra ocorre quando a responsabilização tributária decorre da prática de ato ilícito. Em tais casos, a responsabilidade atua como espécie de sanção. O Código Tributário Nacional traz algumas normas de responsabilidade tributária, no entanto, poderá o legislador criar outras devendo, para tanto, seguir os limites materiais impostos pela Constituição Federal e pelo próprio CTN, bem como adotar o veículo legal adequado: para normas gerais que tratem de sujeição passiva, será necessária lei complementar, nos termos do art. 146, III do CF/88. 63 A solidariedade tributária encontra-se prevista no art. 124 do CTN e não pode ser confundida com uma modalidade de responsabilidade tributária, pois diz apenas em que medida ou de que modo será a sujeição passiva. Assim, pressupõe a prévia definição da sujeição passivo para que, então, sejam designados os seus efeitos. O conceito de solidariedade, oriundo do direito privado, permite concluir pela impossibilidade de sua existência entre contribuinte e responsável, este último entendido como aquele obrigado por débito (em sua integralidade) de outrem. Já o devedor solidário, obriga-se em parte por débito próprio e em parte por débito de terceiro. O art. 124, I do CTN prevê a solidariedade entre aqueles que praticaram conjuntamente o fato gerador. Esta é a intepretação sistêmica correta da expressão “interesse comum na situação que constitua o fato gerador”, mesmo porque este interesse será jurídico e não meramente econômico, moral, etc. O fato de vários sujeitos terem interesse econômico numa determinada operação não os torna contribuintes do tributo sobre ela incidente. O art. 124, II do CTN, por sua vez, autoriza o legislador a criar normas de solidariedade tributária, mas isto pressupõe a definição prévia do sujeito passivo, para o que é preciso seguir os limites constitucionais (formais e materiais), bem como as regras dos arts. 121 e 128 do CTN. À luz destas considerações, procedeu-se com a análise da possibilidade de empresas integrantes de grupos econômicos serem solidariamente responsáveis em matéria tributária, ante a utilização corriqueira, pela Administração Fazendária, do art. 124, I do CTN para tal fim. A definição do que vem a ser um grupo econômico é extraída da doutrina e também da legislação pátria, sobretudo da legislação societária. Esta última, inclusive, é clara ao afastar a solidariedade entre empresas de “ grupos de sociedade”, mantendo a autonomia patrimonial de cada uma. Isto em consonância com os ditames da propriedade privada e da livre iniciativa, constitucionalmente garantidos. Não é dado à norma tributária, portanto, modificar institutos de direito privado (art. 110 do CTN), o que ocorreria caso afastada a autonomia negocial e patrimonial das pessoas jurídicas, a fim de imputá-las responsabilidade por débitos de outras empresas, ainda que com elas mantenham vínculos societários. 64 O simples fato de uma empresa integrar um grupo econômico não autoriza a sua responsabilização solidária pelos débitos das demais integrantes. O próprio art. 124, I do CTN, além de não ser capaz de imputar responsabilidade a terceiro, apenas prevê a solidariedade quando contribuintes pratiquem conjuntamente o fato gerador da obrigação tributária. E, ainda que fosse possível através do art. 124, I do CTN atribuir dita responsabilidade, este dispositivo seria inconstitucional, por violar a capacidade contributiva: apenas quem manifestar riqueza deverá ser tributado. Neste sentido, defende-se a inconstitucionalidade do art. 30, IX da Lei n. 8.212/91, o qual, supostamente autorizado pelo art. 124, II do CTN, determina a responsabilidade solidária entre empresas integrantes de grupo econômico no que tange às contribuições destinadas à seguridade social. Isto porque, além da inconstitucionalidade de forma (necessidade de lei complementar), o conteúdo do dispositivo em comento (inconstitucionalidade material) está em dissonância com o princípio da capacidade contributiva e com o princípio da livre iniciativa. Situação distinta ocorre quando se verifica simulação, fraude ou dolo. Comumente, são identificados grupos de empresas que, apesar de não serem formalmente vinculadas ou manterem aparente autonomia (patrimonial e operacional), conjugam práticas fraudulentas para retardar, transmudar ou extirpar o fato gerador da obrigação tributária. Em tais casos, é possível e necessário que a Administração coíba tais práticas. Contudo, não será o art. 124, I do CTN o fundamento legal adequado para tanto. Inexistindo norma tributária expressa que atribua responsabilidade solidária às empresas, a cobrança apenas poderá ocorrer em duas situações: quando i) desconsiderada a personalidade jurídica das empresas para atingir seus sócios; ii) desconsiderados os atos jurídicos fraudulentos, estendendo-se os efeitos das relações jurídico tributárias para terceiros. Para tanto, normalmente são utilizados três dispositivos: o art. 50 do CC, arts. 116, §único e 149, VII do CTN. Quer pela desconsideração dos negócios jurídicos fraudulentos, quer pela desconsideração da personalidade jurídica das empresas do “grupo”, não haverá, tecnicamente, solidariedade, mas tão somente extensão dos efeitos das relações jurídico- tributárias. Afinal, neste caso, a sujeição passiva decorrerá da prática de ato ilícito e a solidariedade, enquanto obrigação de arcar com a totalidade do débito, quando devedor, apenas, de uma parte deste, é incompatível com tal situação. 65 Empresas integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, não podem ser solidariamente responsáveis pelos débitos das demais apenas por ostentar tal condição, eis que inexistente qualquer autorização legal para tanto. Em caso de fraude ou conluio, caberá ao Fisco apresentar prova contundente para estender os efeitos de obrigações tributárias àqueles que, formalmente, não figuram como contribuinte. Contudo, nesses casos, a responsabilização decorrerá de prática de ato ilícito e da identificação da verdade material e não danmera condição de pertencer a um grupo econômico. 66 REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro –20. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. –e book. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 4. ed. 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