Insper Curso de Graduação em Economia Victor Minori Rosetti Ishiy Análise e Estimativa de Impacto do Programa de Renda Básica Emergencial São Paulo 2021 Victor Minori Rosetti Ishiy Análise e Estimativa de Impacto do Programa de Renda Básica Emergencial Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao programa de graduação em Ciências Econômicas, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientadora: Profa. Juliana Inhasz São Paulo 2021 Ishiy, Victor Minori Rosetti. Análise e estimativa de impacto do programa de renda básica emergencial. / Victor Minori Rosetti Ishiy. – São Paulo, 2021. 60 f. Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Insper, 2021 Orientadora: Juliana Inhasz 1. Auxílio.emergencial. 2. Multiplicador fiscal. 3. Impulso fiscal. II. Título Victor Minori Rosetti Ishiy Análise e Estimativa de Impacto do Programa de Renda Básica Emergencial Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao programa de graduação em Ciências Econômicas como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientadora: Profa. Juliana Inhasz Banca Examinadora ______________________________________ Profa. Juliana Inhasz Insper ______________________________________ Vitória Saddi Insper Resumo O presente trabalho tem como objetivo analisar e estimar o impacto do programa de renda básica emergencial na demanda agregada pelos multiplicadores de impacto dos gastos com transferências. Para isso, a abordagem escolhida foi o uso do modelo vetor de correção de erros (VECM), em conjunto com testes de raízes unitárias e cointegração. Os impactos de turbulências econômicas foram controlados pelas dummies, para a crise do subprime (2008/2009) e para a crise de 2015/2016. A base de dados utilizada é composta por séries do PIB (IBGE), dados de transferências (disponibilizado pelo Tesouro Nacional), do período entre o 1º trimestre de 2000 e o 4º trimestre de 2019, além de dados da SELIC mensal e do IPCA, para apresentar todas as informações sobre o valor do quarto trimestre de 2000. Esses dados também foram trimestralizados, dessazonalizados pelo método X-13-ARIMA e logaritimizados. Os resultados obtidos via função resposta ao impulso de choques nos gastos com transferências no PIB foram utilizados para estimar os multiplicadores de impacto para cada trimestre de 2020. A partir desses valores, foi possível estimar o impacto do auxílio emergencial na economia brasileira em 2020 e, assim, comparar o PIB observado em 2020 (com auxílio emergencial) e o PIB estimado para 2020 (sem o auxílio emergencial). Os resultados mostram que, em virtude do multiplicador de impacto das transferências, o PIB em 2020 caiu cerca de 5,35 pontos percentuais a menos do que cairia na ausência do Auxílio Emergencial (uma queda de 9,52% contra uma queda observada em 2020 de 4,17%), em função do impulso dado por esse benefício no consumo das famílias de baixa renda. Portanto, os resultados encontrados mostram que o auxílio de R$ 600,00 foi capaz de reduzir os efeitos negativos das medidas de isolamento social de maneira substancial. Palavras-chave: Auxílio emergencial. Multiplicador fiscal. Impulso fiscal. Abstract This paper aims to analyze and estimate the impact of the emergency basic income program on the demand for the impact multipliers of spending on transferences. So, the approach was using the vector error correction model (VECM) with unit root tests and cointegration. The impacts of economic turbulence were controlled by the dummies, for the subprime crisis (2008/2009) and for the 2015/2016 crisis. The database used is composed of GDP series (IBGE), transference data (made available by the National Treasury), from the period between the 1st quarter of 2000 and the 4th quarter of 2019, in addition to data from the monthly SELIC and the IPCA, to present all information about the value of the fourth quarter of 2000. These data were also quarterly, seasonally adjusted by the X-13-ARIMA method and logarithmic. The results obtained via the response to the impulse of shocks in spending on transfers in GDP were used to estimate the impact multipliers for each quarter of 2020. From these values, it was possible to estimate the impact of emergency aid on the Brazilian economy in 2020 and, thus, compare the GDP observed in 2020 (with emergency aid) and the estimated GDP for 2020 (without emergency aid). The results show that, due to the transfer impact multiplier, GDP in 2020 fell about 5.35 percentage points less than it would have fallen in the absence of Emergency Aid (a 9.52% drop against a drop observed in 2020 4.17%), due to the boost given by this benefit in the consumption of low-income families. Therefore, the results found show that the aid of R $ 600.00 was able to substantially reduce the negative effects of social isolation measures. Keywords: Emergency aid. Fiscal multiplier. Fiscal impulse. Lista de Ilustrações e Tabelas Figura 1 - Componentes da transferência (transf_3) ................................................. 33 Figura 2 - Componentes da transferência (transf_3) ................................................. 33 Figura 3 - Séries reais tratadas ................................................................................. 34 Figura 4 - Resposta do impulso da variável PIB para um choque nos gastos........... 39 Figura 5 - Comparação PIB observado e estimativa sem auxílio .............................. 43 Tabela 1 - Composição da série de transferências governamentais ......................... 31 Tabela 2 - Estatísticas descritivas ............................................................................. 32 Tabela 3 - Matriz de correlação ................................................................................. 32 Tabela 4 - Teste de raiz unitária das séries (1) ........................................................... 35 Tabela 5 - Critérios AIC, SC e HQ para os 3 melhores modelos ............................... 36 Tabela 6 - Resultados do teste de cointegração de Johansen .................................. 36 Tabela 7 - Resultados da estimação do modelo de correção de erros ..................... 37 Tabela 8 - Resposta ao impulso de um choque nos gastos com transferências no PIB..............................................................................................................................39 Tabela 9 - Estimativa PIB sem auxílio ....................................................................... 42 Lista de Siglas FGV - Fundação Getúlio Vargas FMI - Fundo Monetário Internacional IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística IBRE - Instituto Brasileiro de Economia IPCA - Índice de Preços ao Consumidor Amplo IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LOAS - Lei Orgânica de Assistência Social OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PIB - Produto Interno Bruto PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua PRONAMPE - Programa Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas RMV - Renda Mensal Vitalícia SELIC - Sistema Especial de Liquidação e Custódia USP - Universidade de São Paulo VAR - Vetor Autorregressivo VECM - Modelo de Correção de Erro Vetorial Sumário 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................................................. 12 3 TEORIA ECONÔMICA ......................................................................................... 16 3.1 O que é o multiplicador? .................................................................................. 16 3.2 Determinantes do multiplicador ...................................................................... 20 3.3 O multiplicador e o Auxílio Emergencial ........................................................ 23 4 METODOLOGIA ................................................................................................... 25 4.1 Base de dados ................................................................................................... 25 4.2 Modelo Vetorial Autoregressivo (VAR) ........................................................... 25 4.3 Modelo vetorial de correção de erro (VECM) .................................................. 28 4.3.1 Restrições de cointegração .............................................................................. 29 4.3.2 Modelo Vetorial de Correção de Erros (VECM) ................................................ 29 4.4 Multiplicador de impacto .................................................................................. 30 5 ANÁLISE DESCRITIVA ........................................................................................ 31 5.1 Estatísticas descritivas .................................................................................... 31 5.2 Tratamento dos dados e estatísticas descritivas ........................................... 34 6 RESULTADOS ..................................................................................................... 35 6.1 Teste de raiz unitária ........................................................................................ 35 6.2 Teste de cointegração ..................................................................................... 36 6.3 Estimação do modelo VECM ........................................................................... 37 6.4 Análise da função resposta ao impulso .......................................................... 39 6.5 Resultado das estimativas dos multiplicadores de impacto ....................... 40 7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 44 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46 APÊNDICE ................................................................................................................ 48 9 1 INTRODUÇÃO Em 2020, a economia brasileira e a economia mundial sofreram uma grande queda e colocaram milhões de brasileiros em condições extremamente precárias. Nesse contexto, surgiu uma grande discussão envolvendo valores e prazo para um programa de auxílio à população mais vulnerável. Porém, ainda não há pesquisas avaliando os efeitos da renda básica emergencial. Um estudo sobre este tema permitiria entender, analisar e comparar os efeitos dessa política pública. Dessa forma, se permitiria avaliar o custo-benefício do programa e projetar os próximos passos da política pública brasileira. Posto isso, o objetivo deste trabalho será estimar o impacto do auxílio emergencial no PIB (Produto Interno Bruto) de 2020. A pandemia do Coronavírus criou uma grande necessidade de medidas de isolamento social ao redor do mundo. Essas medidas tiveram consequências devastadoras para a economia, uma grande queda no consumo de bens e serviços, gerando aumento do desemprego e a redução da massa salarial. Em muitos casos, esse efeito é aumentado por encontrar uma parcela da população já em condição vulnerável. Segundo projeções do Banco Mundial, 71 milhões de pessoas ao redor do mundo poderão ser empurradas para baixo da linha da extrema-pobreza - que viviam com menos de U$1,90 por dia em 2020 (BANCO MUNDIAL, 2020). As soluções para diminuir o impacto no bem-estar da população foram diversas. As principais foram transferências diretas de renda, subsídios salariais e licenças remuneradas. A primeira solução mencionada é a mais comum. Muitos países enfrentaram grandes restrições orçamentárias para poder enfrentar a Pandemia. Entre esses países, encontra-se o Brasil, que vivenciava uma grave situação fiscal e um lento crescimento econômico, muito em função da grave crise pela qual o país passou no período 2014-2017. A chegada da pandemia no Brasil levou a urgência de medidas de isolamento social para não sobrecarregar o já deficiente sistema público de saúde. Porém, essas medidas tiveram sérias consequências econômicas para o país. Segundo um estudo da Rede de Políticas Públicas e Sociedade, 83,5% da população seria muito impactada pelas consequências da pandemia. Partindo dessa expectativa para o país, houve a criação do Programa de Renda Básica Emergencial (Lei 13.382/2020). Segundo ela, haveria uma transferência mensal no valor de R$ 600,00, por 3 meses, para a parcela da população afetada pela crise. Conforme dados da PNAD COVID-19 10 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), 5,2% dos domicílios (3,5 milhões) sobreviveram apenas com o auxílio emergencial e 45% da queda da massa salarial foi compensada por ele. A criação desse auxílio emergencial não é algo trivial, uma vez que tem grandes impactos macroeconômicos no país. Se ele não for bem calibrado, elevará o endividamento público brasileiro para um ponto acima do aceitável pelo mercado. Isso pode criar dificuldades para a rolagem da dívida e/ou aumento do prêmio de risco aceito pelo mercado para financiar essa dívida. Dessa forma, se não for bem analisado, o auxílio emergencial pode criar um cenário em médio/longo prazo ainda mais difícil, com taxas de juros mais altas, demanda reprimida, mais desemprego, risco mais alto e inflação acima da meta. No ano de 2020, a queda total do PIB estimada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) foi de 4,1%. Grande parte dessa queda foi influenciada pela retração de 5,5% no consumo das famílias. Tal retração foi acentuada no último trimestre do ano, com a redução do auxílio emergencial e o aumento da inflação de produtos da cesta básica. A queda nas importações foi de 10%, enquanto os investimentos (descontados os efeitos das importações de plataformas de petróleo) caíram 8%. Apenas a agropecuária teve crescimento no ano, cerca de 2%, elevação em decorrência das safras recordes. Já os setores de serviços e indústria tiveram quedas de 4,5% e 3,5%, respectivamente. Ao mesmo tempo, enquanto o auxílio de R$ 600,00 estava em andamento, o Brasil teve o menor índice de desigualdade em 50 anos, segundo o pesquisador Rogério Barbosa, do centro de estudos da Metrópole da USP (Universidade de São Paulo). Segundo o relatório Artigo IV do FMI (Fundo Monetário Internacional), cerca de 23 milhões brasileiros deixaram de entrar na extrema pobreza graças ao auxílio. Ainda segundo esse mesmo estudo, o aumento da extrema pobreza no Brasil teria aumentado de 6,7% para 14,6%, se não fosse o benefício. Graças ao auxílio emergencial, as parcelas mais pobres da população conseguiram até mesmo elevar o consumo de alimentos em 8%, o dobro da elevação no consumo das parcelas mais endinheiradas do país (cerca de 4%). Apesar de ter sido de extrema importância para evitar que milhões de pessoas fossem para a extrema pobreza e ter diminuído o impacto da pandemia na economia brasileira, o auxílio emergencial aconteceu às custas de um aumento muito significativo do endividamento público brasileiro. O Brasil terminou o ano de 2020 com 11 uma relação dívida/PIB de 89,4%, algo preocupante, principalmente, por se tratar de um país com uma já elevadíssima carga tributária, problemas crônicos de baixa produtividade, sem auxílio do bônus demográfico e gastos obrigatórios que consomem quase todo o orçamento. Dessa forma, este trabalho tenta assimilar todas as importantes constatações feitas pela literatura para analisar quanto o programa de auxílio emergencial conseguiu evitar de queda no PIB em 2020, comparando os valores observados com os estimados em um cenário com a ausência desse programa. De tal forma, a metodologia deste estudo segue o modelo mais recorrente da literatura e baseado em Resende (2019), para estimar o multiplicador de impacto das transferências. Há uma modificação em relação ao modelo base, que é a utilização do modelo vetor de correção de erros (VECM) para analisar a relação em longo prazo entre as variáveis e encontrar o multiplicador de impacto do dispêndio com transferência no PIB. Para esta análise serão utilizadas as séries do PIB (IBGE), dados de transferências (disponibilizado pelo Tesouro Nacional) e dados da taxa de juros (disponibilizados pelo Banco Central do Brasil) do período envolvendo o 1º trimestre de 2000 e o 4º trimestre de 2019. Após a estimação dos multiplicadores, foram utilizados dados do PIB e do auxílio emergencial do período de 2020 para a estimação do impacto do benefício emergencial na performance da economia nesse período. Após a estimação do comportamento do PIB em 2020 sem o auxílio, o resultado é comparado com o observado em 2020. Os resultados mostram que o impacto de choques nas transferências no PIB é positivo para todos os períodos apurados, a elasticidade encontrada entre o choque e o efeito na economia inicia em um valor de 0,0006 e aumenta até um patamar praticamente constante de 0,0021. A partir dessa elasticidade, foram obtidos os multiplicadores de impacto dessas transferências, os quais mostraram a relevância de aumentos nos gastos com transferências do governo para alavancar a economia no ano de 2020. Já ao estimar o impacto das transferências via Auxílio emergencial, foi identificado um forte efeito de estabilização da economia, o qual evitou uma queda de 9,52% no PIB, em relação ao ano de 2019, diminuindo a retração da economia para “apenas” 4,17%, graças ao impulso no consumo das famílias de baixa renda. 12 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Após os anos de 1980, houve uma grande mudança na teoria econômica. A exaustão do modelo vigente colocou em xeque a visão Keynesiana até então predominante, como vemos pela mudança na forma de conduzir a política econômica ao redor do mundo durante esses anos, com o Reagan nos EUA e Margaret Tatcher no Reino Unido, além da popularização das ideias de Milton Friedman pelo globo. Na nova visão, o gasto público poderia ter impactos negativos na performance da economia, uma vez que agentes econômicos poderiam enxergar um aumento de gastos em curto prazo, como um problema para o futuro. Observa-se a possibilidade de um aumento de impostos em longo prazo para compensar o endividamento público em curto prazo (efeito conhecido como equivalência ricardiana). Para mensurar esse feito e avaliar os gastos públicos, a literatura se concentrou em modelos de equilíbrio geral e estimativas de magnitude do multiplicador fiscal. Por sua vez, a análise dos multiplicadores fiscais tem uma vasta literatura prévia. Na literatura brasileira, há muitas contribuições para esse tema, entre eles: Cavalcanti e Silva (2010); Mendonça et al. (2009); Orair e Gobetti (2017); Peres (2006); Peres e Elery (2007); Pires (2011) e Resende (2019), os quais são baseados no modelo de Blanchard e Perotti (2002), que utilizou um modelo específico para a economia americana. Já na literatura internacional, há importantes contribuições para esse tema, como: Alesina e Perotti (1997); Blanchard e Perotti (2002); Fatas e Mihov (2001) e Rotemberg e Woodford (1992); Quando se analisa a literatura, parece predominante a crença de que o multiplicador fiscal do gasto público é positivo, enquanto o multiplicador de impostos é negativo. Porém, estudos mais recentes indicam a possibilidade de que até mesmo políticas fiscais contracionistas podem ter impacto positivo sobre a demanda agregada. Como identificado por Alesina e Perotti (1992), após analisar como a composição qualitativa dos ajustes fiscais afeta a chance de sucesso dessas medidas e as suas consequências para o desempenho da economia, os autores definem como sucesso a redução contínua e em longo prazo do déficit fiscal, divididos em dois tipos de ajustes fiscais possíveis. O primeiro se baseia, principalmente, em cortes nas despesas, especialmente cortes nos pagamentos de transferência, previdência social e empregos e salários pagos pelo governo; os aumentos de impostos representam apenas uma pequena parte do ajuste geral, enquanto os impostos das famílias não 13 aumentaram nem diminuíram. Já o segundo ajuste é definido por aumentos nos impostos das famílias e na contribuição previdenciária e, no lado das despesas, há apenas o corte de investimentos (gastos com pessoal e transferências ficam inalterados). Os resultados obtidos pelos autores indicam que, mesmo que os ajustes tenham o mesmo tamanho, em termos de redução dos déficits primários, os ajustes nas despesas têm efeitos expansionistas na economia e geram uma consolidação mais duradoura. Ao mesmo tempo, o modelo base de Blanchard e Perotti (2002) analisa o período pós-guerra, por um VAR para identificar a relação do choque entre gastos, receitas e crescimento. Os resultados encontraram os efeitos conhecidos como tipicamente keynesianos. Os choques positivos nos gastos geram efeitos positivos sobre o PIB, enquanto os choques positivos na receita tributária produzem efeitos negativos sobre o produto. Os efeitos encontrados foram, na maioria dos casos, pequenos e próximos de 1, o que se deve ao fato de enquanto o consumo aumenta seguido a um aumento do gasto público, o investimento privado sofre “crowding out”. No trabalho de Fatas e Mihov (2001), eles analisaram a importância dos estabilizadores automáticos e o impacto dinâmico da política fiscal discricionária na economia para países da OCDE. Os autores se concentram em duas questões diferentes. Primeiro, da perspectiva do estabilizador automático, eles tentaram esclarecer como a política fiscal ajuda a estabilizar as flutuações no ciclo de negócios. A conclusão é que governos com grande importância na economia reduzem a volatilidade do produto (agregado ou privado). Ainda analisando o impacto dos gastos públicos no produto, o estudo de Rotemberg e Woodford (1992) faz uma análise do impacto de choques nos gastos militares e no emprego militar sobre o produto. Os autores obtêm como resultado um multiplicador próximo de 1 e um efeito persistente por 4 meses. Peres (2006) segue a especificação de Blanchard e Perotti (2002) para caracterizar as respostas do produto a choques nos gastos e nos impostos do governo central, para o período de 1994.1 até 2005.2 para o caso brasileiro. Entre os principais resultados, os autores encontraram que a resposta do produto a choques fiscais é pequena e tem características tipicamente Keynesianas, já a resposta de aumentos nos impostos leva a uma resposta negativa sobre o produto. Além disso, os autores encontraram um efeito mais duradouro e consistente do investimento em relação ao consumo para elevar o produto da economia. Já os subsídios apresentam 14 um impacto estatisticamente insignificante, segundo Orair e Gobelli (2017). Ainda, algumas variáveis podem atrapalhar a performance do multiplicador, como encontrado em Cavalcanti e Silva (2010), que ao analisar a questão para o período de 1995 a 2008, encontraram a dívida pública como uma importante variável no cálculo do multiplicador fiscal, afetando negativamente o multiplicador fiscal. Isso ocorre, pois a estabilização da dívida pública é uma questão relevante para a tomada de decisões das autoridades, já que um aumento do endividamento público pode afetar as expectativas dos agentes econômicos em relação à capacidade de pagamento dessa dívida. Os agentes podem esperar um aumento da inflação ou um aumento dos juros, situações que afetam as escolhas de investimento e gasto, o que, por sua vez, diminui o tamanho do multiplicador fiscal. Ainda, em diversos estudos, há uma diferenciação do valor numérico do multiplicador para diferentes situações de expansão e contração econômica. Para Orair e Gobelli (2017), um método de vetor autorregressivo com transição gradual e com um cuidadoso trabalho com as séries de dados para eliminar efeitos de contabilidade criativa permite capturar a transição do multiplicador entre ciclos econômicos. Além disso, os autores também fazem a estimativa desmembrando as despesas primárias entre investimentos, benefícios sociais, subsídios, gastos com pessoal e demais despesas. Entre os principais resultados, encontramos comportamentos distintos para diferentes ciclos econômicos. As respostas do produto aos impulsos fiscais são insignificantes ou muito baixas em situações de expansão econômica, o que justifica o valor inferior a uma unidade. Porém, em situações de forte depressão econômica, os choques no gasto público (principalmente em investimentos, benefícios sociais e gasto com pessoal) geram expressivas respostas no PIB e sensivelmente maiores que em tempos de expansão econômica. Já o multiplicador do subsídio é estatisticamente insignificante para qualquer cenário econômico. Mostra-se, assim, a importância e os diferentes comportamentos de cada tipo de gasto público na performance da economia. Ainda na análise do comportamento distinto de cada componente dos gastos públicos, Resende (2019) obtém resultados que evidenciam que as transferências, despesas com pessoal e investimentos, têm impactos significativos no produto, tanto em curto, quanto em médio prazo. As transferências e os investimentos com maior impacto em médio prazo e investimentos apresentam o maior impacto inicial no PIB. 15 O grupo “outras despesas” teve baixo impacto no produto da economia e baixa persistência do choque em horizontes maiores de tempo. Nesse sentido, Blanchard e Perotti (2002), ao explorarem o multiplicador do gasto com benefícios sociais, identificaram que o multiplicador de investimento público apresentou um resultado positivo e persistente no PIB. A partir da literatura, encontramos evidências para efeitos significantes e persistentes de diferentes categorias de gasto público e investimento. Estudos sobre o comportamento do multiplicador fiscal indicam, como em Pires (2011), um aumento do multiplicador fiscal pela não ocorrência do efeito “crowding out”, devido à alta capacidade ociosa e demanda reprimida. O aumento no gasto/investimento público não gera uma pressão no nível de preço, pois como a capacidade ociosa está alta, há espaço para o aumento da produção apenas empregando os insumos subutilizados e a demanda reprimida inibe o aumento de preço por parte dos produtores. 16 3 TEORIA ECONÔMICA 3.1 O que é o multiplicador? O governo pode influenciar a performance da economia de um país pela política fiscal ou pela política monetária. Porém, essa última deve ser feita de maneira cautelosa em um país com grande memória inflacionária. A política fiscal compreende as escolhas do governo quanto ao nível geral de gastos, transferências, investimentos e impostos. Quando um governo altera as variáveis sob o seu comando, ele desloca diretamente a curva de demanda agregada. A magnitude do deslocamento é afetada por dois efeitos macroeconômicos, efeito multiplicador e efeito deslocamento. O efeito deslocamento ocorre quando uma política fiscal expansionista leva à queda na demanda agregada. Isso ocorre quando o aumento da renda e do consumo gera uma pressão na demanda por moeda. Se a oferta de moeda for mantida constante, haverá elevação da taxa de juros para manter o equilíbrio no mercado monetário. Por sua vez, essa elevação reduzirá o investimento e o consumo, uma vez que o custo do consumo presente ficará mais elevado e a taxa de desconto para os projetos de investimento reduzirá o número de investimentos viáveis. Já o efeito multiplicador sugere que o deslocamento na demanda agregada seja maior que a variação no gasto (transferência ou investimento público). A política fiscal expansionista gera um aumento múltiplo na renda e, por consequência, eleva o consumo. A ideia por trás disso é que a elevação do gasto público, em curto prazo, não afeta apenas o grupo no qual o investimento é feito, mas acomete também diversos outros setores em que a renda extra gerada será gasta. Já em longo/médio prazo, essa política fiscal, por elevar a demanda agregada da economia, leva as empresas a aumentarem o investimento (construindo novas fábricas ou comprando novos bens de capital). Por sua vez, essa elevação nos investimentos eleva a taxa de juros na economia, criando mais incentivos para o aumento da poupança. Com mais bens de capital, fábricas e poupança, a economia aumenta o seu potencial de crescimento. Os resultados de ambos os efeitos acima são antagônicos. O efeito multiplicador puxa o crescimento econômico para cima, aumentando a renda da população, o que ele o consumo das famílias e incentiva maiores investimentos. O efeito deslocamento faz o inverso, retirando o efeito positivo do aumento dos gastos 17 públicos por uma elevação da taxa de juros e, consequentemente, uma diminuição da taxa de investimentos e de consumo. Apesar disso, o efeito multiplicador pode ser muito maior que o efeito deslocamento, favorecendo um deslocamento positivo da curva de demanda agregada. A partir da álgebra podemos derivar uma fórmula para o tamanho do multiplicador dos gastos, que se segue ao aumento no gasto público, por exemplo. Um fator importante dessa fórmula será a propensão marginal a consumir (PMgC), que será responsável por demonstrar o quanto o consumo do indivíduo/família aumenta a partir de um acréscimo da renda disponível. Antes de partir para o exercício proposto, vale relembrar alguns pontos importantes dos componentes nas contas nacionais e hipóteses básicas para facilitar a compreensão, cujo suporte se dá nos ensinamentos de Keynes (1936). Nas contas nacionais, os componentes da demanda agregada (DA) aparecem da seguinte forma: consumo das famílias (C), gastos ou consumo do governo (G), exportações de bens e serviços (X), importações de bens e serviços e Investimentos públicos e privados (I). Em relação às hipóteses, teremos quatro. A primeira está baseada no argumento de que em uma economia com capacidade ociosa, as empresas alteram a produção em resposta aos estímulos em curto prazo. A segunda hipótese é que uma elevação na produção aumentará o número de empregados na economia. A terceira hipótese é uma das principais identidades macroeconômicas, Y ≡ DA, ou seja, a produção é equivalente à demanda agregada. A última é a hipótese de que a exceção para o consumo é a função direta da renda e todos os componentes da demanda agregada são autônomos, ou seja, não dependem de Y. Assim, podemos definir: 𝑌 = 𝐷𝐴 (1) 𝐷𝐴 = 𝐶 + 𝐺 + 𝐼 + (𝑋 − 𝑀) (2) 𝑌 = 𝐶 + 𝐺 + 𝐼 + (𝑋 − 𝑀) (3) 𝐶 = 𝑃𝑀𝑔𝐶 × 𝑌 (4) A partir dessa última equação, nota-se que, sob a 1ª hipótese, quando os componentes da equação 2 aumentam, com exceção para importações que representam vazamentos de renda, o nível de produto também cresce. Keynes (1936) permite várias formas de analisar a última equação, entre elas, o autor demonstrou 18 que o gasto público pode funcionar como um instrumento anticíclico (suavizando ou reduzindo os movimentos instáveis da demanda agregada). A partir disso, chegamos ao multiplicador de gastos keynesiano. As demonstrações, a seguir, foram formuladas por Blanchard (1997) e mostram que o impacto de variações no gasto público, por exemplo, ocorre em fases: 𝑃𝑟𝑖𝑚𝑒𝑖𝑟𝑜 𝑚𝑜𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜: 𝑃𝑀𝑔𝐶 × ∆𝐺 (5) 𝑆𝑒𝑔𝑢𝑛𝑑𝑜 𝑚𝑜𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜: (𝑃𝑀𝑔𝐶)² × ∆𝐺 (6) 𝑇𝑒𝑟𝑐𝑒𝑖𝑟𝑜 𝑚𝑜𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜: (𝑃𝑀𝑔𝐶)³ × ∆𝐺 (7) 𝑁 − é𝑠𝑖𝑚𝑜 𝑚𝑜𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜: (𝑃𝑀𝑔𝐶)𝑛 × ∆𝐺 (8) Aritmeticamente, o impacto no PIB de variações nos gastos é expresso como: ∆𝑌 = ∆𝐺 + (𝑃𝑀𝑔𝐶) × ∆𝐺 + (𝑃𝑀𝑔𝐶)2 × ∆𝐺 + 𝑃𝑀𝑔𝐶3 × ∆𝐺 + (… ) + (𝑃𝑀𝑔𝐶)𝑛 × ∆𝐺 ∆𝑌 = [1 + (𝑃𝑀𝑔𝐶) + (𝑃𝑀𝑔𝐶)2 + 𝑃𝑀𝑔𝐶3 + (… ) + (𝑃𝑀𝑔𝐶)𝑛] × ∆𝐺 ∆𝑌 = 𝑘 × ∆𝐺 (9) Segundo Blanchard, “essa soma é chamada de progressão geométrica [...]. Uma propriedade importante da progressão geométrica é que, quando PMgC é menor que 1 e à medida que n se torna cada vez maior e tende ao infinito, a soma continua crescendo, mas se aproxima de um limite. Esse limite é 1/(1-PMgC)”. Portanto, a partir da afirmação do autor, podemos redefinir o multiplicador para: 1 𝑘 = (10) ( 1−𝑃𝑀𝑔𝐶) A partir da equação acima, Blanchard (2011) mostra que o produto de equilíbrio está em função desse multiplicador e dos outros componentes autônomos da demanda agregada, no qual um impacto em qualquer variável da demanda agregada gera um impacto igual à variação da variável vezes o valor do multiplicador de gastos, como ilustrado abaixo: 1 𝑌 = (𝐶 + 𝐼 + 𝑔 − 𝑃𝑀𝑔𝐶 × (𝑡) + 𝑋 − 𝑀) (11) ( 1−𝑃𝑀𝑔𝐶) 19 A fórmula acima restringe o multiplicador apenas à função da propensão marginal a consumir, portanto, ignora os efeitos de outras variáveis importantes. Entre elas está a propensão marginal a importar, gastos públicos, saldo em conta corrente e investimentos. Para isso, utilizaremos, neste trabalho, o multiplicador Keynesiano (KEYNES, 1936), ampliado para uma economia aberta, com o governo e com a única variável autônoma, sendo as exportações que dependem da renda externa. O multiplicador proposto por Keynes, em “A Teoria Geral”, foi realizada a partir da equação de igualdade entre despesa e renda. Essa igualdade propunha que toda renda é gasta de alguma forma, seja gastando, investindo ou poupando. O gasto poderia ser via consumo das famílias (C), gasto público do governo (G), transferências do governo (B) ou importações (M). O consumo privado dependente de um consumo autônomo (Co) e um consumo marginal (PMgC) dependeria do tamanho da renda disponível (Yd), que é influenciada pela alíquota de imposto (t). O total de impostos no modelo corresponde a uma proporção (t) da renda (Y) menos o total dispendido em transferências do governo para a população. Já as importações, dependeriam de um valor autônomo para as importações (Ma), ou seja, não depende de Y, somado às variações nas importações em decorrência de alterações no nível de renda da população. Conjuntamente, a variável I dependerá positivamente do nível de renda e negativamente da taxa de juros real. Essas relações são mostradas abaixo: Y = C + I + G + B + Xa − M (12) C = Co + (PMgC) × (1 − t) × Y (13) 𝑇 = 𝑡 × 𝑌 − 𝑇𝑟𝑎𝑛𝑠𝑓𝑒𝑟ê𝑛𝑐𝑖𝑎𝑠 (14) M = Ma + m × Y (15) I = 𝐼(𝑌+, 𝑟−) (16) Seguindo a demonstração de Blanchard (2011), ao substituir as quatro últimas equações na primeira, e depois isolar Y, chegamos ao multiplicador (Fórmula 11). Como vemos abaixo, ele será dependente da propensão marginal a poupar (1-PMgC), propensão marginal a importar (m), propensão marginal a consumir (PMgC) e da alíquota de impostos (t). Na fórmula 12 chegamos à renda de equilíbrio no momento t 20 e, como se pode observar, dependerá do multiplicador vezes qualquer variação nos componentes da demanda agregada. 1 𝑘 = (17) ( 1−𝑃𝑀𝑔𝐶+(𝑃𝑀𝑔𝐶)×𝑡+𝑚) 𝑌𝑡 = 𝑘 × (𝐶 + 𝐼(𝑌+, 𝑟−) + 𝐵 + 𝐺 − 𝑃𝑀𝑔𝐶 × (𝑡) + 𝑋) (18) A análise dos multiplicadores foi uma importante contribuição de Keynes (1936) para a literatura econômica e para o desenvolvimento de políticas públicas de emprego e renda. Além de trazer à luz a importância do gasto, com investimento para o desenvolvimento econômico, o qual traz mais dinamismo para a economia. Considerando o contexto histórico do desenvolvimento do multiplicador, ele foi extremamente importante para uma nova forma de conduzir a economia pela maior participação do Estado via investimentos públicos. Isso permitiu uma fase de grande crescimento econômico e foi capaz de limitar a expansão do socialismo no mundo. 3.2 Determinantes do multiplicador O efeito marginal do multiplicador é afetado por uma série de variáveis, tais como poupança, nível de endividamento, importações, taxa de juros e inflação. A elevação na renda, fruto da política fiscal expansionista, poderá ter dois destinos: poupança ou consumo. A poupança é uma das formas de vazamentos dos efeitos da política fiscal na economia, uma vez que parte do acréscimo de renda será poupado e dependerá da propensão da população a poupar (s). Quanto maior à propensão marginal a consumir, maior será o efeito final do aumento de gasto público no PIB, mantendo as outras variáveis constantes (como vemos na derivada parcial do multiplicador em relação à poupança abaixo). Como obtido por Moura (2015), choques nos gastos do governo aumentam o produto e o consumo por um ano. Porém, quando o agente econômico espera uma elevação de tributos no futuro para pagar a elevação de gasto público no presente, comportamento típico de consumidor Ricardiano, o consumo das famílias tende a diminuir. 𝜕𝑘 <0 (19) 𝜕𝑠 21 Além da poupança, outra fonte importante de vazamento desse efeito são as importações (M). Um aumento do nível de renda gera maior demanda por produtos importados, o que envia a renda extra para outros países e não tem efeito sobre o PIB local (como vemos na derivada parcial do multiplicador em relação às importações, equação 20). Esse aumento na demanda por importados gera uma pressão de demanda pelo dólar para a compra desses produtos, depreciando a moeda. Aragon e Grudtner (2017) identificaram o grau de abertura econômica e a flexibilidade da taxa de câmbio (E) como importantes mecanismos capazes de impactar a performance do multiplicador fiscal (como vemos na derivada parcial do multiplicador em relação à taxa de câmbio abaixo, equação 21). 𝜕𝑘 <0 (20) 𝜕𝑀 𝜕𝑘 >0 (21) 𝜕𝐸 Já a inflação (𝛱) tende a diminuir o multiplicador, uma vez que uma expansão nos investimentos quando a economia já está em pleno emprego elevará a competição pelos fatores de produção, o que gera pressão de custos e preço. Dessa forma, com o aumento da taxa de juros (i), há uma pressão contracionista na economia, por uma diminuição do consumo e do investimento. Como encontrado por Christiano et al. (2011), o multiplicador fiscal é maior quando a taxa de juros está no limite inferior, o que indica a importância da taxa de juros no processo de transbordamento da política fiscal para o crescimento econômico (como vemos na derivada parcial do multiplicador em relação à taxa de juros abaixo). 𝜕𝑘 <0 (22) 𝜕𝑖 𝜕𝑘 <0 (23) 𝜕𝛱 Enquanto o nível de endividamento (D) afeta o multiplicador por uma diminuição na capacidade das famílias/empresas em consumirem, aumentos na renda da população podem ser usados para cancelamentos de dívidas. Em ambos os casos, há uma diminuição do efeito multiplicador inicial da política fiscal (como vemos na 22 derivada parcial do multiplicador em relação à dívida pública a seguir). Além desses fatores, um aumento do endividamento público pode gerar pressão na taxa de juros da economia, uma vez que o prêmio de risco exigido pelo mercado pode aumentar, se a expectativa do mercado para a inflação aumentar. Dessa forma, há uma diminuição no consumo e no investimento com o aumento da taxa de juros. Cavalcanti e Silva (2010) mostraram que a dívida pública é essencial para estimar os efeitos dos choques fiscais, uma vez que a omissão dessa variável pode subestimar o efeito deslocamento, além dos movimentos nos gastos criarem a necessidade de movimentos futuros nas contas públicas de modo a compensarem (ao menos parcialmente) os efeitos do choque inicial. 𝜕𝑘 < 0 (24) 𝜕𝐷 Apesar de, em curto prazo, políticas expansionistas, como aumento de transferência, gerarem um acréscimo de renda e impulsionarem o consumo, em médio e longo prazo, o aumento do endividamento sem contrapartida ou maneiras de financiá-lo eleva a percepção de risco pelos agentes econômicos. Aumenta-se, assim, o prêmio exigido para financiar a dívida, o que se traduz em aumento da taxa de juros. Ao mesmo tempo, dependendo do grau de risco identificado, poderá haver fuga de capital estrangeiro do país, criando distúrbios no equilíbrio do mercado cambial, puxando a taxa de câmbio para cima. Da mesma forma, se o mercado entender que o endividamento é impossível de ser financiado por rolagem e/ou elevação de impostos, poderá ter uma elevação da inflação esperada, dado o risco de aumento da oferta monetária via emissão de moeda. Portanto, é clara a existência de um grande trade-off envolvendo a escolha por uma política fiscal expansionista. Por um lado, temos um ganho econômico por um impulso na economia, porém, ao mesmo tempo, há um custo grande para as gerações futuras, que é o aumento do endividamento e, em alguns casos, um custo para as gerações atuais que sofrerão com distúrbios macroeconômicos. 23 3.3 O multiplicador e o Auxílio Emergencial Como identificado no parágrafo anterior, há uma relação clara de custo- benefício envolvendo a escolha de política fiscal. A partir disso, conseguimos transbordar essa análise para avaliar o impacto do Auxílio emergencial na diminuição do efeito recessivo das políticas contra a pandemia, se o benefício para a economia foi suficiente para superar o custo econômico e impedir uma queda ainda maior do PIB nacional. A expectativa em relação ao Programa de Auxílio emergencial é que ele reduza o efeito contracionista das medidas de prevenção à Covid-19. O Auxílio emergencial entregou um benefício total de quase R$300 bilhões a quase 70 milhões de brasileiros. Segundo um relatório do FMI, cerca de 23 milhões de brasileiros deixaram de entrar na extrema pobreza graças ao auxílio. Ainda segundo esse mesmo estudo, o aumento da extrema pobreza no Brasil teria aumentado de 6,7% para 14,6%, não fosse o benefício. A transferência extra de renda permitiu a muitas famílias um incremento de renda, o que possibilitou um aumento do consumo de alimentos mesmo durante o auge da crise. Segundo a pesquisa “Análise do consumo dentro e fora do lar em 2020”, da consultoria Kantar (2020), houve aumento significativo do consumo entre a população mais pobre, enquanto o aumento de consumo de alimentos entre todas as faixas de renda foi de 4%, as classes menos favorecidas aumentaram o consumo em 8%. Ainda assim, segundo o IBGE, o consumo das famílias teve uma queda de 5,5% em 2020, muito impactado pela diminuição do auxílio no último trimestre e o aumento da inflação de alimentos, principalmente. Os investimentos tiveram uma queda de 0,8%, valor baixo em função da importação de plataformas de petróleo. Segundo a FGV IBRE (Fundação Getúlio Vargas – Instituto Brasileiro de Economia), sem considerar os efeitos das plataformas, a queda seria de 8%. Já as importações tiveram uma contração de 10% e as exportações recuaram 1,8%. A queda total do PIB, segundo o IBGE, foi de 4,1%, a maior queda anual da série histórica (iniciada em 1996). Muito desse resultado foi puxado pela queda no consumo das famílias. Dessa forma, é razoável supor que a queda teria sido ainda mais acentuada, não fossem as políticas empregadas pelo Governo Federal, tais como, auxílio emergencial e políticas de proteção ao emprego, além do Pronampe 24 (Programa Nacional de Apoio às micro e pequenas empresas), suspensão dos contratos de trabalho e empréstimo para folha de pagamento. A partir disso, tem-se como objetivo neste trabalho mensurar o quanto as políticas de transferências foram importantes para minimizar a queda no PIB brasileiro pela ótica do multiplicador fiscal. Para isso, estima-se como teria sido o comportamento do PIB sem o Programa de Renda Básica Emergencial, comparando- o com o comportamento real da economia em 2020. 25 4 METODOLOGIA 4.1 Base de dados A base de dados utilizadas neste estudo é composta pelo PIB, despesas com transferências governamentais, SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) e IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) para o período de 1º trimestre de 2000 até o 4º trimestre de 2020. A série do PIB foi retirada das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE disponibilizadas pelo IpeaData. As séries de SELIC e IPCA foram obtidas no site do Ipeadata e a série de transferências governamentais foi obtida no site do Tesouro Nacional, pelo Resultado Fiscal do Governo Central. Os dados sobre transferências governamentais são a soma dos gastos com benefícios previdenciários, abono salarial, seguro-desemprego, seguro defeso, benefícios de prestação continuada, bolsa família e, exclusivamente para o ano de 2020, há a inclusão do auxílio emergencial nessa somatória. 4.2 Modelo Vetorial Autoregressivo (VAR) Utilizamos o modelo VAR para encontrar o multiplicador fiscal. O multiplicador de interesse é o de impacto, que mede o choque estrutural imediato no produto, em função da variação da variável dependente. O modelo econométrico multivariado VAR é uma ferramenta adequada para estimar os multiplicadores fiscais, já que nos permite considerar a endogenia entre as variáveis em análise. Diversos trabalhos têm aplicado os modelos VAR para calcular os multiplicadores, entre eles podemos citar Blanchard e Perroti (2002). Para o Brasil, temos os trabalhos de Cavalcanti e Silva (2010), que seguem a metodologia de Blanchard e Perroti (2002), utilizando dados de gastos e receitas públicas que incluem as três esferas de governo. Outros trabalhos são de Peres e Ellery (2009) e Pires (2011). Considere o modelo VAR(p) estrutural a seguir: 𝐵𝑍𝑡 = 𝐴1𝑍𝑡−1 + 𝐴2𝑍𝑡−2 + ⋯ + 𝐴𝑝𝑍𝑡−𝑝 + 𝛾𝑋𝑡 + 𝜀𝑡 (25) 26 Em que 𝑍𝑡 é um vetor de n variáveis endógenas, 𝐵, 𝐴𝑖 = 1, … , 𝑝 são matrizes contendo os parâmetros estruturais e 𝜀𝑡 é um vetor de erros estruturais pelos quais poderemos analisar os choques nas variáveis endógenas de interesse. O vetor 𝑋𝑡 contém um conjunto de variáveis exógenas. O termo erro satisfaz as seguintes propriedades 𝐸(𝜀𝑡) = 0 e com matriz variância-covariâncias dos choques estruturais dada por: Σ𝜀 𝑡 = 𝑠𝐸(𝜀𝑡𝜀′𝑡) = { (26) 0 𝑡 ≠ 𝑠 Em que Σ𝜀 é uma matriz diagonal, ou seja, os choques estruturais não são correlacionados contemporaneamente. O modelo VAR estrutural apresentado na equação (25) pode ser representado como um modelo VAR ao ser multiplicado pela inverso da matriz B: 𝐵−1𝐵𝑍𝑡 = 𝐵 −1𝐴 −1 −1 −1 −11𝑍𝑡−1 + 𝐵 𝐴2𝑍𝑡−2 + ⋯ + 𝐵 𝐴𝑝𝑍𝑡−𝑝 + 𝐵 𝛾𝑋𝑡 + 𝐵 𝜀𝑡 𝑍 = 𝐵−1𝐴 𝑍 + 𝐵−1𝑡 1 𝑡−1 𝐴2𝑍𝑡−2 + ⋯ + 𝐵 −1𝐴 −1 −1𝑝𝑍𝑡−𝑝 + 𝐵 𝛾𝑋𝑡 + 𝐵 𝜀𝑡 (27) Definindo 𝐶 = 𝐵−1𝑖 𝐴𝑖, para 𝑖 = 1,2, … 𝑝, a equação (27) resulta: 𝑍𝑡 = 𝐶1𝑍𝑡−1 + 𝐶2𝑍𝑡−2 + ⋯ + 𝐶 𝑍 + 𝜃𝑋 + 𝐵 −1 𝑝 𝑡−𝑝 𝑡 𝜀𝑡 (28) ou 𝑝 𝑍𝑡 = ∑ 𝐶𝑖𝑍𝑡−𝑖 + 𝜃𝑋𝑡 + 𝑢𝑡 (29) 𝑖=1 Em que: 𝑢 −1𝑡 = 𝐵 𝜀𝑡 (30) Multiplicando (30) por 𝐵, o termo de erro estrutural 𝜀𝑡 pode ser escrito como: 𝜀𝑡 = 𝐵𝑢𝑡 (31) A equação (29) pode ser usada para a identificação, a estimação e análise da função resposta ao impulso da política fiscal na economia brasileira. Para a estimação do multiplicador de impacto de despesas de transferências utilizamos o modelo VAR. O período escolhido foi do 1º trimestre de 2000 até o 4º 27 trimestre de 2019, a fim de evitar a contaminação da série por efeitos da Pandemia. O modelo com 𝑛 = 3 variáveis endógenas contidas no vector 𝑍𝑡 = [ 𝑔𝑡 𝑖𝑡 𝑦𝑡 ]′, em que 𝑔𝑡 despesas de transferências, 𝑖𝑡 representa a taxa de juros e 𝑦𝑡 é o PIB. Esse ordenamento está baseado no trabalho de Resende (2019). Inicialmente, cabe notar que, pela própria definição das Contas Nacionais, os gastos públicos devem afetar contemporaneamente o produto. Por outro lado, Cavalcanti e Silva (2002) também argumentam que considerando as características do processo decisório dos gastos governamentais, ele é relativamente lento, de modo que parece razoável supor que os gastos em determinado mês não sejam afetados contemporaneamente por choques no PIB, assim como, por choques na taxa de juros. Já a segunda posição do ordenamento é da taxa de juros, uma vez que variações nas despesas com transferências podem afetar contemporaneamente a taxa de juros de títulos públicos em longo prazo, uma vez que o choque pode impactar o prêmio pelo risco, afetando diretamente a curva de juros. Ao mesmo tempo, choques no PIB não têm capacidade de afetar contemporaneamente a taxa de juros, uma vez que há uma defasagem entre o momento de apuração e divulgação do PIB, assim, qualquer mudança para aquecer ou desaquecer a economia será feita posteriormente ao choque. Na terceira posição do ordenamento deve constar a variável 𝑦𝑡, uma vez que choques nas outras duas variáveis afetarão contemporaneamente o PIB, dado que variações na taxa de juros afetam a escolha temporal entre consumo e poupança, além das decisões de investimento. Além disso, choques nas despesas com transferências afetam o PIB corrente, já que aumentam/diminuem a renda disponível das famílias. Dessa forma, o esquema de identificação é baseado na decomposição de Cholesky (matriz triangular inferior), fazendo com que essa restrição se satisfaça ao colocar as variáveis na seguinte ordem, despesas com transferências (𝑔𝑡), taxa de juros (𝑖𝑡) e produto (𝑦𝑡). Alguns trabalhos que estão em linha com esse argumento são de Fatás e Mihov (2001) e Blanchard e Perrotti (2002). 𝑔𝑡 [ 𝑖𝑡 ] = 𝐶 −11𝑍𝑡−1 + 𝐶2𝑍𝑡−2 + ⋯ + 𝑍𝑝𝑌𝑡−𝑝 + 𝜃𝑋𝑡 + 𝐵 𝜀𝑡 (32) 𝑦𝑡 28 A identificação do modelo (29) é feita pela escolha da forma funcional da matriz B, pela fórmula 𝜀𝑡 = 𝐵𝑢𝑡 𝑔 𝑔 𝜀𝑡 1 𝑏 𝑢12 𝑏13 𝑡 [ 𝜀𝑖 𝑖𝑡 ] = [𝑏21 1 𝑏23] [𝑢𝑡 ] (33) 𝑦 𝑦 𝜀 𝑏 𝑏 1𝑡 31 32 𝑢𝑡 Para a identificação, estimação e análise da função resposta ao impulso do modelo estrutural são necessárias pelo menos três restrições na matriz B. 1 𝑏12 𝑏13 𝐵 = [𝑏21 1 𝑏23] 𝑏31 𝑏32 1 A matriz B, segundo a decomposição de Cholesky, resulta: 1 0 0 𝐵 = [𝑏21 1 0] 𝑏31 𝑏32 1 4.3 Modelo vetorial de correção de erro (VECM) Quando as séries em análise são integradas, por exemplo integradas de ordem 1, denotado por I (1), é necessário testar a existência de relações em longo prazo. Essa condição implica a existência de restrições de cointegração, ou seja, movimentos comuns das séries em longo prazo. O teste mais conhecido para testar a existência de cointegração é o teste de Johansen. Ao evidenciar a existência de cointegração entre as variáveis devemos incorporar essa informação na estimativa do modelo VAR. O modelo transformado que incorpora a relação em longo prazo é conhecido como modelo vetorial de correção de erros (VECM). Alternativamente, o modelo (32) pode ser escrito como1: 𝛱(𝐿) 𝑍𝑡 = 𝜀𝑡 (34) 1 Eliminamos as variáveis determinísticas para conseguir visualizar melhor as restrições de cointegração no VECM. 29 Em que 𝛱(𝐿) = 𝐼𝑛 − ∑ 𝑝 𝑗=1 θ𝑗 𝐿 𝑗 e 𝐿 representa o operador de defasagem. Ademais, 𝛱(1) = 𝐼 𝑝𝑛 − ∑𝑗=1 θ𝑗 quando 𝐿 = 1. 4.3.1 Restrições de cointegração Consideramos as restrições de cointegração ao impor as seguintes hipóteses na matriz 𝛱(∙): a) O posto (𝛱(1)) = 𝑟, 0 < 𝑟 < 𝑛, tal que 𝛱(1) pode ser expresso como 𝛱(1) = −𝛼𝛽′, em que 𝛼 e 𝛽′ são matrizes 𝑛 × 𝑟 com coluna de posto completo 𝑟; b) A equação característica |𝛱(1)| = 0 tem 𝑛 − 𝑟 raizes iguais a 1 e todas as demais estão fora do círculo unitário. Essas restrições implicam que 𝑍𝑡 é cointegrado de ordem (1, 1). Os elementos de 𝛼 são coeficientes de ajuste e as colunas de 𝛽 formam o espaço de cointegração. 4.3.2 Modelo Vetorial de Correção de Erros (VECM) Decompondo a matriz polinomial 𝛱(𝐿) = 𝛱(1)𝐿 + 𝛱∗(𝐿)∆, no qual ∆= (1 − 𝐿) é o operador de diferença, obtém-se o modelo vetorial de correção de erros: 𝑝−1 𝛥𝑍𝑡 = 𝜇 + 𝛼𝛽′𝑍𝑡−1 + ∑ Γ𝑗 ΔZ𝑡−𝑗 + 𝜀𝑡 (35) 𝑗=1 Em que 𝛼𝛽′ = −𝛱(𝐿), Γ𝑗 = − ∑ 𝑝 𝑘=𝑗+1 θ𝑘 (𝑗 = 1, 2, … , 𝑝 − 1) e Γ0 = I𝑛. Para 𝑝 = 1 o modelo (35) contém apenas o componente em longo prazo. Para o vetor de variáveis 𝑍𝑡 = [ 𝑔𝑡 𝑖𝑡 𝑦𝑡 ]′, podemos escrever a equação (35) para cada variável da seguinte forma: 𝑝−1 𝑝−1 𝑝−1 𝛥𝑔𝑡 = 𝜇1 + 𝛼1,1𝜑1 + 𝛼1,2𝜑2 + ∑ ϕ1,𝑗 𝑔𝑡−𝑗 + ∑ θ1,𝑗 𝑖𝑡−𝑗 + ∑ Ψ1,𝑗 𝑦𝑡−𝑗 + 𝜀1𝑡 (36) 𝑗=1 𝑗=1 𝑗=1 𝑝−1 𝑝−1 𝑝−1 𝛥𝑖𝑡 = 𝜇2 + 𝛼2,1𝜑1 + 𝛼2,2𝜑2 + ∑ ϕ2,𝑗 𝑔𝑡−𝑗 + ∑ θ2,𝑗 𝑖𝑡−𝑗 + ∑ Ψ2,𝑗 𝑦𝑡−𝑗 + 𝜀2𝑡 (37) 𝑗=1 𝑗=1 𝑗=1 30 𝑝−1 𝑝−1 𝑝−1 𝛥𝑦𝑡 = 𝜇3 + 𝛼3,1𝜑1 + 𝛼3,2𝜑2 + ∑ ϕ3,𝑗 𝑔𝑡−𝑗 + ∑ θ3,𝑗 𝑖𝑡−𝑗 + ∑ Ψ3,𝑗 𝑦𝑡−𝑗 + 𝜀3𝑡 (38) 𝑗=1 𝑗=1 𝑗=1 A análise da função resposta ao impulso poderá ser analisada por essas equações, em que a relação em longo prazo é incorporada nas estimações. 4.4 Multiplicador de impacto O indicador de impacto é definido como a resposta do produto (𝑦) em 𝑡 a uma variação do instrumento fiscal (𝑔) causada por um choque estrutural dessa variável em 𝑡. A partir da estimação do modelo VAR, estimamos a função impulso resposta, que fornece a elasticidade do choque entre as variáveis. O valor da elasticidade é utilizado para estimar o multiplicador fiscal do grupo de despesa, conforme a equação: ∆𝑦/ 𝑦 ∆𝑦 𝑔 𝜖 = = ( ) ∆𝑔 /𝑔 ∆𝑔 𝑦 Em que: 𝜖: é a elasticidade de 𝑔 em 𝑦 𝜇 =∆y/∆g: é o multiplicador fiscal; g/y: é a proporção da despesa em percentual do PIB. Portanto, podemos encontrar o multiplicador fiscal da seguinte forma: g −1 𝜇 = 𝜖 ( ) y O multiplicador de impacto é calculado com a despesa em percentual do PIB do último período. O multiplicador encontrado será multiplicado pela variação no gasto com o auxílio no respectivo trimestre, a fim de obter a estimativa de impacto. O qual será subtraído do PIB observado no trimestre e comparado com o PIB observado. 31 5 ANÁLISE DESCRITIVA 5.1 Estatísticas descritivas A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas das variáveis no período correspondente ao primeiro trimestre de 2000 até o quarto trimestre de 2020. As séries do PIB e as componentes de transferência estão todas em milhões de reais. A variável IPCA tem como ano base set. 2000 = 100 e é usada para transformar as séries em reais. A série de transferências governamentais (transf_3) é composta segundo a descrição apresentada na Tabela 1: Tabela 1 - Composição da série de transferências governamentais Variável Descrição bpc_loas_3 BPC/RMV seg_Def_3 Seguro defeso abono_3 Abono salarial aux_3 Crédito extraordinário - Auxílio emergencial COVID-19 seg_Des_3 Seguro-desemprego BF_3 Bolsa família transf_3 Transferências totais do governo central (soma dos itens acima) Nota: BPC indica a Benefício de prestação continuada e RMV a renda mensal vitalícia. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Tesouro Nacional (2021) Ela é composta pelas componentes: benefício de prestação continuada (BPC), seguro defeso, abono salarial, seguro-desemprego, bolsa família e crédito extraordinário exclusivamente para o ano de 2020 para a crise sanitária de COVID- 19. 32 Tabela 2 - Estatísticas descritivas PIB SELIC IPCA ABONO_3 AUX_3 BF_3 BPC_LOAS_3 PREV_3 SEG_DEF_3 SEG_DES_3 TRANSF_3 Média 480110,0 1,45 200,0 7,9 15,9 14,2 28,6 340,7 1,2 18,4 426,9 Mediana 518122,7 1,53 185,2 0,7 0,0 16,9 30,3 340,3 0,6 27,8 425,6 Máximo 625528,9 4,31 330,3 49,1 537,9 32,7 50,2 657,3 6,3 43,0 1298,5 Mínimo 290645,5 -3,04 95,3 0,0 0,0 0,0 4,6 148,2 0,0 0,0 152,8 Desvio Padrão 110968,5 1,27 69,6 12,2 86,7 12,0 14,9 116,7 1,6 16,4 204,4 Observations 84 84 84 84 84 84 84 84 84 84 84 Fonte: Elaboração própria (2021) A Tabela 2 apresenta os resultados de correlação entre as variáveis PIB, Selic e Transferências, que serão usadas na modelo VAR. Vemos que há uma alta correlação entre o PIB e a série de transferências. A Tabela 3 apresenta a matriz de correlação das variáveis PIB, SELIC e as Transferências governamentais. Vemos que há uma alta correlação positiva entre o PIB e a série de transferências no valor de 0,82, aproximadamente. Tabela 3 - Matriz de correlação PIB SELIC TRANSF_3 PIB 1,0000 -0,5746 0,8191 SELIC -0,5746 1,0000 -0,5348 TRANSF_3 0,8191 -0,5348 1,0000 Fonte: Elaboração própria (2021) A Figura 1 apresenta a evolução temporal da série de transferências (transf_3) e as suas componentes. Observamos a existência de sazonalidade dessa série. Além disso, vemos que a parcela mais importante da composição da transferência é a série das despesas na previdência (prev_3). Finalmente, observamos, a partir do primeiro trimestre do ano 2020, um aumento significativo da série de despesas com auxílio emergencial (aux_3), como consequência das transferências de ajuda financeira na luta contra a COVID-19. 33 Figura 1 - Componentes da transferência (transf_3) 1,400 1,200 1,000 800 600 400 200 0 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 transf_3 abono_3 aux_3 bf_3 bpc_loas_3 prev_3 seg_Def_3 seg_Des_3 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados obtidos do Tesouro Nacional (2021) Figura 2 - Componentes da transferência (transf_3) transf_3 abono_3 aux_3 1,400 50 600 1,200 500 40 1,000 400 30 800 300 600 20 200 400 10 200 100 0 0 0 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 bf_3 bpc_loas_3 prev_3 40 60 700 50 600 30 40 500 20 30 400 20 300 10 10 200 0 0 100 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 seg_Def_3 seg_Des_3 7 50 6 40 5 30 4 3 20 2 10 1 0 0 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados obtidos do Tesouro Nacional (2021) A Figura 2 mostra as componentes das transferências na sua própria escala. Podemos observar o comportamento da série auxílio emergencial apenas no ano de 34 2020. Em todas essas componentes pode observar-se um efeito sazonal segundo os picos e vales apresentados nas figuras. 5.2 Tratamento dos dados e estatísticas descritivas Para encontrar os multiplicadores pelo modelo VAR, as séries do PIB, transferências e Selic foram todas deflacionadas usando o índice de preços IPCA na base set. 2000 = 100. Além disso, as séries do PIB e transferências governamentais foram dessazonalizadas pelo método ARIMA-X13 e, em seguida, logaritimizadas. A Figura 3 mostra as séries PIB e os gastos com transferências dessazonalizadas e em logaritmo. A taxa SELIC está em termos reais. Essas variáveis serão usadas na estimação do modelo VAR. Observamos que todas as séries têm uma ligeira tendência. As séries do PIB e dos gastos com transferências apresentam uma tendência positiva e a série de SELIC uma leve tendencia negativa. O teste de raiz unitária ajudará a identificar se há uma tendencia estocástica nessas séries. Figura 3 - Séries reais tratadas Log(PIB) Log(G) 13.4 7.5 7.0 13.2 6.5 13.0 6.0 12.8 5.5 12.6 5.0 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 SELIC .06 .04 .02 .00 -.02 -.04 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 Nota: As séries PIB e Gastos estão em logaritmo e dessazonalizadas. Fonte: Elaboração própria (2021) 35 6 RESULTADOS 6.1 Teste de raiz unitária A Tabela 4 apresenta os resultados do teste de raiz unitária de Dickey-Fuller (ADF) e Phillip-Perron (PP) para as séries PIB, gastos com transferências e SELIC. Todas as séries são testadas em nível e em primeira diferença para identificar a existência de uma ou duas raízes unitárias. Observamos que em ambos os testes a hipótese nula não é rejeitada para as séries de PIB e gastos com transferências (G), indicando a existência de pelo menos uma raiz unitária. Procedemos com o teste para a primeira diferença das séries e observamos que em ambos os casos a presença de raiz unitária é rejeitada ao nível de significância de 5%. Isso implica que as séries de PIB e gastos têm apenas uma raiz unitária, ou seja elas são integradas de ordem 1, I(1). O teste de ADF para a série SELIC indica a existência de uma raiz unitária e o teste de PP indica que a série é estacionária. Para testar a existência de cointegração precisamos que todas as séries sejam estacionarias de primeira ordem e então consideramos o primeiro resultado para a série de SELIC. Tabela 4 - Teste de raiz unitária das séries (1) Variable Teste ADF(2) Teste PP(3) t-Statistic t-Statistic 𝑃𝐼𝐵𝑡 -2.0127 +-2.01277 ∆𝑃𝐼𝐵𝑡 -8.4900*** -8.4877*** 𝐺𝑡 0.1046 -0.5052 ∆𝐺𝑡 -9.2436*** -16.968*** 𝑆𝑒𝑙𝑖𝑐𝑡 -1.8946 -3.7848** ∆𝑆𝑒𝑙𝑖𝑐𝑡 -11.4018*** -14.0142** Notas: (1) Considere a rejeição de hipótese nula aos níveis de significância; *, **,*** 10%, 5%, e 1%, respectivamente. Observe que se rejeita H0 ao 1% (***), então se rejeita H0 a 5% e 10% e não será mais necessário colocar mais estrelas além das três. As séries PIBt e Gt estão em logaritmo natural. (2) A componente determinística intercepto e o critério de seleção usado seria o Schwarz. Valores críticos: -3.511262 (1%), -2.8901779 (5%) e -2.588280 (10%). (3) Nós usamos o método de estimação de Bastlett Kernel com Newey-West Bandwidth. Valores críticos: -3.517847 (1%), -2.899619 (5%) e - 2.587134 (10%). Fonte: Elaboração própria (2021). 36 Antes de estimar o modelo VAR(p), precisamos identificar a ordem de defasagem p. Para isso, usamos os critérios de informação Akaike (AIC), Schwarz (SC) e Hannan Quinn (HQ). A Tabela 5 apresenta os resultados dos critérios de informação. A escolha do melhor modelo é dada pelos menores valores de cada critério. A estrela (*) indica o valor de p=2, ou seja, o melhor modelo escolhido pelos critérios de informação, identificado pelo modelo VAR(2). Tabela 5 - Critérios AIC, SC e HQ para os 3 melhores modelos Lag (p) AIC(1) SC(2) HQ(3) 0 -8.660849 -8.376266 -8.547556 1 -15.59720 -15.02804 -15.37062 2 -15.95297* -15.09922* -15.61309* 3 -15.93846 -14.80012 -15.48528 4 -15.85122 -14.42830 -15.28475 5 -15.79055 -14.08305 -15.11079 6 -15.71237 -13.72029 -14.91932 7 -15.63568 -13.35901 -14.72933 8 -15.54991 -12.98867 -14.53027 Notas: (1) Critério de Akaike. (2) Critério de Schwarz. (3) Critério de Hannan-Quinn. * indica o melhor modelo, ** indica o segundo melhor modelo e *** indica o terceiro melhor modelo. Fonte: Elaboração própria (2021). Procedemos a seguir com o teste de cointegração de Johansen. 6.2 Teste de cointegração A Tabela 6 apresenta os resultados do teste de cointegração de Johansen. Observamos que as duas estatísticas de teste, 𝜆-traço e 𝜆-máximo mostram a rejeição da hipótese nula para o número de vetores de cointegração ser igual a zero (𝑟 = 0). Já para o teste do número de vetores de cointegração ser menor ou igual a 1 vemos que a hipótese nula não é rejeitada ao nível de significância de 5%. Isso implica que 𝑟 = 1, ou seja, há a existência de um vetor de cointegração em ambos os casos. Tabela 6 - Resultados do teste de cointegração de Johansen Hipótese nula (número λ λ de vetores de Autovalor Traço Max cointegração) 𝑟 = 0 0,466308 58,0848*** 48,9790*** 𝑟 ≤ 1 0,084339 9,10582 6,872486 37 𝑟 ≤ 2 0,028226 2,233335 2,233335 Nota: Em todos os casos, o teste do máximo indica um vetor de cointegração ao nível de significância de 0,05. ** denota a rejeição da hipótese nula ao nível de significância de 5%. A ordem de defasagem para o VAR em nível é p=2, como indicado pelos critérios de informação. Fonte: Elaboração própria (2021) A relação de cointegração será incorporada na estimação do modelo de correção de erros (VECM), como mostrado a seguir. 6.3 Estimação do modelo VECM Na estimação do modelo de correção de erros (VECM), incorporamos duas dummies que capturam os efeitos das crises do subprime e da recessão no Brasil nos anos 2015 e 2016. Definimos as duas dummies da seguinte forma: a) Dsup: é a dummy da crise do subprime: 1 em 2008 e 2009 e 0 caso contrário. b) Dbra: é a dummy no Brasil, sendo 1 em 2015 e 2016 e 0 caso contrário. Tabela 7 - Resultados da estimação do modelo de correção de erros Equação de cointegração (normalizado nos Gastos (G) 𝑔𝑡−1 1 𝑖𝑡−1 -38.997*** -4.76109 𝑦𝑡−1 -2.6310*** -0.19274 C 29.01709 Error Correction: D(LG) D(SELIC) D(LPIB) CointEq1 -0.0418*** 0.02429*** 0.003184 -0.01538 -0.00343 -0.00565 ∆𝑔𝑡 −1 -0.39959*** -0.009817 0.032462 -0.10579 -0.02362 -0.03887 ∆𝑖𝑡−1 0.108771 0.40882*** 0.061815 -0.49824 -0.11125 -0.18307 ∆𝑦𝑡−1 -0.6627** -0.021172 0.29910*** -0.33326 -0.07441 -0.12245 C 0.03110*** -0.0000626 0.00603*** -0.00629 -0.0014 -0.00231 Dsup 0.021398 -0.000335 0.006189 -0.01429 -0.00319 -0.00525 Dbra -0.03121** 0.000385 -0.01327*** 38 -0.01605 -0.00358 -0.0059 R2-ajsutado 0.215176 0.408831 0.203081 Estatística F 4.518535 9.875054 4.270357 Nota: As variáveis 𝑦𝑡 representa o PIB, 𝑔𝑡 os gastos com transferências (G), 𝑖𝑡 a taxa SELIC, todas elas expressas em logaritmos. Como a ordem p=2 no VAR o modelo VECM é representado nas primeiras diferenças e, portanto, o valor de p =1. O modelo é estimado com dados entre 2000T1 até 2019T4. A dummy Dsup indica 1 nos anos 2008 e 2009 e zero caso contrário. A dummy Dbra indica 1 nos anos 2015 e 2016 e zero caso contrário. Fonte: Elaboração própria (2021) A Tabela 7 mostra os resultados das estimativas do modelo de correção de erros. Podemos, assim, observar na equação dos gastos que a maioria dos coeficientes seria estatisticamente significante. Os efeitos do PIB em curto prazo são mais afetados pelo PIB do período anterior. Em particular, a dummy (Dbra) que pega o efeito da recessão nos anos 2015 e 2016 tem um efeito significativo na maioria das equações. A Tabela 7 também apresenta a relação em longo prazo entre as variáveis PIB, Gastos e SELIC. A equação em longo prazo no equilíbrio pode ser escrita como: 𝑔𝑡−1 − 38,99766𝑖𝑡−1 − 2,63104𝑦𝑡−1 + 29,0170 = 0 Ao reescrever essa equação em função do PIB obtemos a seguinte forma funcional: 𝑦𝑡−1 = 11,026 + 0,38𝑔𝑡−1 − 14,8221𝑖𝑡−1 Vemos que a elasticidade em longo prazo dos gastos no PIB é de 0,38%, ou seja, se os gastos se elevam em 1% o produto aumenta em 0,38%. 39 6.4 Análise da função resposta ao impulso Para encontrar o multiplicador de impacto, precisamos estimar a função resposta do PIB a um impulso nos gastos. A Figura 4 apresenta a resposta ao impulso de um choque de um desvio padrão nos gastos. Vemos que há um efeito imediato nos três primeiros trimestres após o impacto para logo se tornar permanente ao longo dos períodos posteriores. Os valores numéricos dos impulsos estimados podem ser encontrados na Tabela 8. Figura 4 - Resposta do impulso da variável PIB para um choque nos gastos Resposta do PIB a um choque nas transferências 0,0024 0,0020 0,0016 0,0012 0,0008 0,0004 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Fonte: Elaboração própria (2021) Tabela 8 - Resposta ao impulso de um choque nos gastos com transferências no PIB. Período Impulso 1 0.000645 2 0.002138 3 0.002036 4 0.002185 5 0.002151 6 0.002172 7 0.002169 8 0.002172 9 0.002171 40 10 0.002170 11 0.002170 12 0.002171 13 0.002171 14 0.002171 15 0.002171 16 0.002171 Nota: A tabela apresenta a resposta dos choques nos gastos no PIB16 período à frente. Fonte: Elaboração própria (2021) 6.5 Resultado das estimativas dos multiplicadores de impacto Das séries reais dessazonalizadas obtidas do último trimestre temos: g = (Gastos com transferências) / PIB (último trimestre) y Em que: 𝜖 : é a elasticidade de 𝑔 em 𝑦 𝜇 =∆y/∆g: é o multiplicador fiscal; g/y : é a proporção da despesa em percentual do PIB do último trimestre. Portanto, podemos encontrar o multiplicador fiscal da seguinte forma: g −1 𝜇 = 𝜖 ( ) y Multiplicador de impacto em t=1 → 𝜖 = 0,000645 M impacto em t=1➔ g −1 𝜇 = 𝜖 ( ) = 0,000645 ∗ (0,00108)−1 = 0,5972 y M impacto em t=2➔ g −1 𝜇 = 𝜖 ( ) = 0,002138 ∗ (0,001878)−1 = 1,0841 y 41 M impacto em t=3➔ g −1 𝜇 = 𝜖 ( ) = 0,002036 ∗ (0,001385)−1 = 1,470 y Os multiplicadores de impacto foram estimados para três momentos, sendo o primeiro válido para o 2º trimestre de 2020, o segundo para o 3º trimestre de 2020 e o terceiro momento para o 4º trimestre de 2020. Essa ordem foi escolhida, uma vez que o auxílio emergencial foi liberado entre o final do primeiro trimestre e o começo do segundo trimestre, tendo os seus primeiros efeitos sentidos já no segundo trimestre. O cálculo é feito a partir da multiplicação do inverso da proporção da despesa em percentual do PIB do último trimestre pela elasticidade encontrada para cada momento t via função resposta ao impulso no VECM. Os resultados encontrados para o multiplicador de impacto mostram que os choques nos gastos com transferências são menores em um primeiro momento, mas tendem a crescer nos próximos trimestres. Para cada real dos programas de transferências do governo federal, houve um incremento na economia em um primeiro momento de, aproximadamente, R$0,60, aumentando para R$1,08 no 3º Trimestre de 2020 e chegando em R$1,47 no último trimestre de 2020. A partir dos multiplicadores obtidos acima, foi possível estimar o impacto no PIB nacional das transferências via auxílio emergencial. Os valores totais do auxílio para cada período podem ser verificados na segunda coluna da Tabela 8. Para encontrar a estimativa do PIB na ausência desse benefício temporário, o primeiro passo foi obter a estimativa de impacto, a qual foi obtida multiplicando os valores totais dispendidos no benefício pelo valor do multiplicador de impacto obtido via estimação para o respectivo trimestre. Esse valor foi subtraído em seguida do valor observado para o PIB no mesmo trimestre. A partir desses procedimentos, foi possível comparar a queda observada com a queda estimada. Essa comparação é representada na Figura 5, como podemos observar, na ausência do auxílio, a queda da economia ao final do ano seria de cerca de 9,52% contra uma queda observada de 4,17%. Esse resultado evidencia o que o Banco Central apontou no seu Relatório de Inflação do mês de setembro de 2020, no 42 qual identificou que o consumo das famílias pertencentes ao primeiro quartil de renda (renda média de R$ 946,00) teve uma queda menor e uma recuperação mais rápida do que o observado em famílias do último quartil. Dessa forma, os resultados obtidos corroboram com a ideia de que o auxílio emergencial foi essencial para estabilizar a economia e evitar uma queda ainda mais brusca e com sérias consequências sociais. Possivelmente, isso ocorre pelo fato de o auxílio ter sido entregue, a maior parte, para a população nas faixas inferiores de renda e que possuem uma maior propensão marginal a consumir, fazendo com que a renda extra proporcionada pelo governo fosse gasta com alimentação e produtos diversos, o que permitiu diminuir o impacto da queda no consumo dos quartis mais elevados de renda. Sendo assim, foi de extrema importância a agilidade do Estado brasileiro em garantir a implementação do benefício. Como vemos na Tabela 8, se o auxílio tivesse início apenas no 3º trimestre, a queda no 2º trimestre de 2020 poderia ter sido 46,22% maior que a observada. Tabela 9 - Estimativa PIB sem auxílio Multiplicador de Estimado Cresc. PIB Cresc. PIB t Aux_3 * Pib 2020 * Pib 2019 * impacto em t sem auxílio * observado estimado R$ R $ R $ 1T20 -0,30% -0,30% 1.843.863,00 1.843.863,00 1.849.411,23 R$ R$ R $ R $ 2T20 0,5972 -11,40% -16,67% 170.153,59 1.708.760,00 1.607.144,28 1.928.623,02 R$ R$ R $ R $ 3T20 1,0841 -3,90% -13,34% 171.398,58 1.891.735,00 1.705.921,80 1.968.506,76 R$ R$ R $ R $ 4T20 1,4700 -1,10% -7,40% 86.848,72 2.003.500,00 1.875.832,38 2.025.783,62 2020/ R$ R $ R $ -4,17% -9,52% 2019 7.447.858,00 7.032.761,46 7.772.324,64 Nota: *: Em milhões, valores nominais. Fonte: Elaboração própria (2021) 43 Figura 5 - Comparação PIB observado e estimativa sem auxílio 0,00% 1T20 2T20 3T20 4T20 2020/2019 -2,00% -1,10% -4,00% -3,90% -6,00% -4,17% -8,00% -7,40% -10,00% -9,52% -12,00% -11,40% -14,00% -13,34% -16,00% -18,00% -16,67% Cresc. PIB observado Cresc. PIB estimado Fonte: Elaboração própria (2021) 44 7 CONCLUSÃO O objetivo deste trabalho é estimar o impacto do programa de renda básica emergencial na demanda agregada pelos multiplicadores de impacto. Este trabalho tem como foco e diferencial, analisar o efeito do multiplicador de impacto das transferências, com foco em 2020 para a questão do auxílio emergencial. Essa é uma questão muito importante no momento e que gera fortes discussões, mas ainda sem qualquer estudo científico sobre o tema. A metodologia aqui empregada é uma adaptação do modelo mais recorrente na literatura brasileira para estimar o multiplicador fiscal, o uso do Modelo de vetor de correção de erros (VECM). O método empregado neste trabalho utilizou dados do período de janeiro de 2000 e dezembro de 2019 para estimar e analisar a relação em longo prazo entre as variáveis, obtendo a elasticidade dos choques aos gastos via função resposta ao impulso. A partir desse resultado, foi estimado o multiplicador de impacto das transferências e, em seguida, a estimativa do PIB na ausência do auxílio emergencial para o todo o ano de 2020. Os dados utilizados sobre as transferências governamentais foram retirados do site do Tesouro Nacional pelo Resultado Fiscal do Governo Central e as séries de SELIC e IPCA foram obtidas no site do Ipeadata. Além disso, foram utilizados dummies para a crise do subprime (2008/2009) e para a crise de 2015/2016. A partir dos resultados obtidos para a elasticidade entre as transferências e o PIB, foi encontrada uma relação positiva em longo prazo entre as variáveis, de menor magnitude para o primeiro trimestre e aumento no decorrer dos trimestres. Ao utilizar esses resultados para estimar o impacto do auxílio emergencial foi possível identificar a grande importância para se evitar uma piora da crise econômica, impedindo uma queda de 9,52%, o que seria mais que o dobro da queda observada em 2020. A importância do auxílio é evidenciada pelos resultados deste trabalho, mas a importância é mais do que apenas econômica, pois também há uma grande relevância social, uma vez que evitou a fome para milhões de brasileiros e um grande caos social no país. Além da importância do tema por si, há também que se destacar a relevância e a ajuda que este trabalho traz para as discussões sobre novas rodadas de auxílio. Em um momento de piora da pandemia, este estudo mostra a proporção do impacto para evitar pioras no cenário econômico. Da mesma forma, impacta futuras análises 45 e estimações para novos programas sociais, ajudando a melhorar a qualidade da assistência social via transferência de renda. São verificadas possíveis extensões para este trabalho no futuro, entre elas, uma análise mais completa quando tiver mais dados disponíveis sobre o período da pandemia no país. Isso permitirá análises mais aprofundadas sobre o tema, podendo levar em conta variáveis ainda não disponíveis, como, por exemplo, a desigualdade social no período analisado e impactos no crescimento potencial do país. 46 REFERÊNCIAS ALESINA, A.; PEROTTI, R. Fiscal adjustments in OECD countries: composition and macroeconomic effects. Washington: International Monetary Fund (IMF), 1997. BANCO CENTRAL DO BRASIL. COPOM. Relatório de inflação. Publicação Trimestral do Comitê de Política Monetária, Brasília, v. 22, p. 1-71, set. 2020. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/publicacoes/ri/202009. Acesso em: 18 maio 2021. BARROS, G. D. S.; CORREIA, F. M. Fiscal multipliers in Brazil: A sensitivity analysis on the structural identification procedure. Modern Economy, Curitiba, v. 10, n. 10, p. 2175-2200, Out. 2019. BLANCHARD, Olivier. Macroneconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson, 2011. 626 p. BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. 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Innovations Response of LG to LG Response of LG to SELIC Response of LG to LPIB .04 .04 .04 .03 .03 .03 .02 .02 .02 .01 .01 .01 .00 .00 .00 -.01 -.01 -.01 2 4 6 8 10 12 14 16 2 4 6 8 10 12 14 16 2 4 6 8 10 12 14 16 Response of SELIC to LG Response of SELIC to SELIC Response of SELIC to LPIB .008 .008 .008 .004 .004 .004 .000 .000 .000 -.004 -.004 -.004 2 4 6 8 10 12 14 16 2 4 6 8 10 12 14 16 2 4 6 8 10 12 14 16 Response of LPIB to LG Response of LPIB to SELIC Response of LPIB to LPIB .020 .020 .020 .015 .015 .015 .010 .010 .010 .005 .005 .005 .000 .000 .000 2 4 6 8 10 12 14 16 2 4 6 8 10 12 14 16 2 4 6 8 10 12 14 16 Fonte: Elaboração própria (2021).